segunda-feira, 29 de agosto de 2011

POEMA-CORAL DAS ABELHAS


POEMA-CORAL DAS ABELHAS
OU
AS VOZES SÍGNICAS DE JORGE TUFIC
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Márcio Almeida

Poeta de muitos e bons livros, reconhecido “por seu próprio canto” (Adriano Souto), distante “de qualquer classificação tendencial” (Fábio Lucas), por sua “fusão de ritmos, percepções, alegorias – um pot-pourri conceitual em que o autor transita do lírico ao social” (Ronaldo Cagiano), “cristalizado no senso pragmático e racional de absorver a trama do mundo e da vida” (Hildeberto Barbosa Filho), em cujo livro Poema-coral das abelhas “personaliza as passagens inteiriças da memória”, em “fragmentos de pequeninos hábitos que reinventam o ofício do próprio canto” com “doses de humor, ironia e ludismo”, culminando esse labor na “transdicção ossificada do poema” (R. Leontino Filho) – Jorge Tufic tem a vantagem de escrever poemas que o leitor tem mesmo o prazer de (re)ler, pelo simples fato de serem poemas.
Em Jorge Tufic, a poesia poesia (Augusto de Campos). Os poemas do seu livro reúne incidentes roteirizáveis, cuja base narrativa promana da poesia oral com seu “depósito mental” de signos semiotizando algo numa pós-modernidade que mais parece se esconder nas ruínas de seus pensares e saberes.
Seu pot-pourri conceitual poderia abranger, por exemplo, uma leitura metalingüística da poesia com o seguinte travelling: “a fundação da escritura” (37) “engessa a fratura dos mortos” (38), “liberta os signos cativos” (44), para que “as ruínas pudessem ser vistas – como um ricto necessário da paisagem inútil” (45), porque, na poesia, há “audíveis silêncios” (58), e, no espaço, “aldebarãs silenciosas” (60), tudo, poeticamente, “com a vigília dos signos” (68). E porque ao poeta é dado “muito papel – plumas de fingidor – tear de dedos que se costuram” (85), ainda que o poeta seja “um ser transparente. – Invicto. – Desnecessário entre porcos, hienas e outros viventes- solidariamente incompletos” (90). De tudo, a única e realista conclusão: “a luz que se deita – é o que sangra o carvão das palavras” (101).
E com efeito de completude, o poeta se anuncia em heteronimidade autoral: “Sou tantos que uns me confundem – com o lixo das gráficas” (49).
Joshua Brown dixit: “Desenhar o familiar é um modo de promover o envolvimento crítico.” Jorge Tufic dixit: “Desenho um girassol, - e o mundo todo compreende, - mas não aplaude. – Escrevo um girassol, - e o mundo todo aplaude, - mas não compreende” (Semiótica, 34).
O poeta instaura uma revificação das ruínas como conditio do tempo na memória hereditária, que planta raiz nas palavras: “Meu corpo, feito escombros – relampeja” = Mnemosine X Catão, o que queria destruir Cartago, origem de Tufic. A transdicção por quem se propõe a ser, na poesia, “mínimos cristais de amônia, sal e orgasmo, centelhas” (15).
O poeta faz isso através da cristalização da linguagem: “cristais de amônia” (15) – “concha de larvas ardendo em topázios” (16) – “cristais se fundem no brinde sem eco” (20) – “que sabe do brinde o cristal?” – que sabe do vidro a madeira” (25) – “uma família inteira de pedras – conversa neste bosque” (43) – “a solidão metálica dos búzios” (51) – “levíssimos pontos alados (...) – deve ser este o ritmo – o que amadurece o outro – e pulveriza o diamante” (56).
A coisidade lírica drummondiana: “De casemira inglesa – meu pai sai para a missa. – E eu fico à janela – esperando crescer” (61) – “Que imensa gruta é o homem – quando fecha os olhos” (62) – “Era a doce rua venta-mundo – onde encantados redemoinhos – faziam ciranda de poeira e papel” (64) – “O inverno, me disse – um velho que tinha um castelo – é irmão da velhice” (73).
Ouve-se também no livro o zumbido-partícipe do poeta meio ocidental, meio Oriente Médio, em sua guerra da linguagem contra as guerras e a estultícia da destruição: “O terror da fumaça – desenha um bisonte – que sai do petróleo” (Oriente Médio, 49). “Revestidas de ouro e papel – as rochas metálicas, uma por uma – tombam sob um coro de lágrimas” (Afganistão, 86). A guerra da poesia contra a infâmia (ou excrescência, diria Nietsche) do esquecimento, caso do poema “O massacre da praia”:
Apenas o que está impresso
ganha relevo sob as asas do abutre
que rege este dia.
Todos os habitantes da cidade
nos deixaram esse monstro:
um fim de semana deserto,
uma composição arbitrária de musgo,
telhados ocres, ruas
como serpentes digerindo
a ferrugem e o enxofre azedo dos
depósitos vigiados pelo olho frígido
que nos segue, fixa e mata.
Apenas um texto que se repete,
confirma os alicerces da manhã.
O amor é negado.
Tornam-se inúteis e vagas
as estruturas de aço e concreto,
espaços de lazer, terraços de há muito
tomados somente pelo fantasma da poeira.
Nunca se pôde evitá-lo:
diminuta centelha de urânio
implode o nexo evasivo
entre a praia silenciosa e a urbe
sedenta de privilégios.
Eliminam-se os irmãos,
enterram-se vivos os primos,
liba-se o vinho nos crânios pulsantes,
reviram-se as malas, consagra-se o
martírio em nome dos ratos que ficam
da terra que se move, arenosa,
da reza que voa,
para onde, Senhor?

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