sexta-feira, 23 de setembro de 2011

RETRATO DE JORGE TUFIC


RETRATO DE JORGE TUFIC

Rogel Samuel


É um tema banal, popular, vulgar. A mãe, já tão gasto motivo dos cadernos poéticos e saudades, pois todos nós tivemos ou temos a mãe a saudar, a lembrar, a louvar, a chorar.
Mas Jorge Tufic é um poeta excepcional, e não foi piegas: com que realizou sua obra-prima, sonetos pós-modernos em que ele traça o perfil, o “Retrato de mãe“, de sua verdadeira mãe, ou da personagem mãe.
O livro todo está no blog
http://jorge-tufic.blogspot.com/
O pequeno livro é uma obra-prima em quinze sonetos. E começa por uma invocação.

1. Venham fios de luz, aromas vivos
misturar-se às palavras, à centelha
do louvor mais profundo deste filho
que se depura e sofre com tua ausência.
Venha o trigo do Líbano, a maçã
de que tanto falavas; venha a brisa
tecer mediterrânea esta saudade
que vem de ti quando por ti me alegro.
Que venha a primavera, saturando
vales, planícies, colorindo os montes,
noites de luar caiando os muros altos.
Venha a pedra da igreja onde ficaste
quando em febre te ardias. Venham lírios
rebrotados de ti, dos teus martírios

O que lemos aí é a invocação de um sabor (de um saber), de um elemento gustativo, a maçã, o trigo, me o visual, fios de luz, e o táctil elemento do vento, e os aromas, a paisagem, a planície, os montes e as noites, a pedra, a febre, o martírio.
É a invocação.
Venham fios de luz para tecê-la, aromas vivos para senti-la, às palavras do filho descrevê-la, proclamá-la, proferi-la.
Ler é nomear sentidos, fazê-los funcionar, dar-lhes corda, os sentidos estão e/ou partem dali. Ler é um ato de mobilidade, de por em movimentação os sentidos. Mas não todos. Não há um todo, um limite. Por isso, diz Barthes, o esquecimento crítico é um valor do texto, haverá sempre sentidos esquecidos, nunca se poderá reunir todos os sentidos na arena da rigidez de uma grelha analítica.
Na filosofia se definem falar e dizer, num certo sentido: O falar remete ao falante, o dizer remete as coisas mesmas ditas.
O poeta profere o “nome da mãe”, invoca-a. Invocada, a mãe começa a delinear-se, começa a aparecer, vem em fragmentos, pouco nítida, mas forte, sentida, ou pressentida, sim, começa ele a pintar o retrato interno da dulcíssima Mãe, mãe-primavera, mão dos vales, planícies e que logo todos nós assumimos como nossa, e quem consegue falar da própria mãe morta sem tornar-se piegas? Conjuntamente, nossa mãe síntese-simbólica, Fonte, semente e nome de nossa vida, que tudo nos deu. Tema freudiano, pois. Abismo psicológico.
No segundo soneto aparece D. Ramón Angel Jara, Bispo de La Serena, Chile, citado no texto, onde há citações, pós-modernidades.
O autor aí diz: “Calma, não chore, é apenas literatura”.
A descrição, o retrato começa pelos cabelos, tranças, a voz, a lembrança. A fonte do pão, do leite, da flor, do fruto. Mãe que é para “amar depois de perder”, como no verso de Drummond. Na verdade, Tufic só de lembrá-la um soluço arrebenta-nos a crítica.

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