domingo, 23 de outubro de 2011

FIOS DE LUZ, AROMAS VIVOS


FIOS DE LUZ, AROMAS VIVOS

Leitura de “Retrato de mãe” de Jorge Tufic

Rogel Samuel





É um tema banal, popular, vulgar. A mãe, já tão gasto motivo dos cadernos poéticos e saudades, pois todos nós tivemos ou temos a mãe a saudar, a lembrar, a louvar, a chorar. 

Mas Jorge Tufic é um poeta excepcional, e não foi piegas: com que realizou sua obra-prima, sonetos pós-modernos em que ele traça o perfil, o “Retrato de mãe“, de sua verdadeira mãe, ou da personagem mãe.

O livro todo está no blog


O pequeno livro é uma obra-prima em quinze sonetos. E começa por uma invocação.

  1. Venham fios de luz, aromas vivos

misturar-se às palavras, à centelha

do louvor mais profundo deste filho

que se depura e sofre com tua ausência.

Venha o trigo do Líbano, a maçã

de que tanto falavas; venha a brisa

tecer mediterrânea esta saudade

que vem de ti quando por ti me alegro.

Que venha a primavera, saturando

vales, planícies, colorindo os montes,

noites de luar caiando os muros altos.

Venha a pedra da igreja onde ficaste

quando em febre te ardias. Venham lírios

rebrotados de ti, dos teus martírios

O que lemos aí é a invocação de um sabor (de um saber), de um elemento gustativo, a maçã, o trigo, me o visual, fios de luz, e o táctil elemento do vento, e os aromas, a paisagem, a planície, os montes e as noites, a pedra, a febre, o martírio.

É a invocação.

Venham fios de luz para tecê-la, aromas vivos para senti-la, às palavras do filho descrevê-la, proclamá-la, proferi-la.

Ler é nomear sentidos, fazê-los funcionar, dar-lhes corda, os sentidos estão e/ou partem dali. Ler é um ato de mobilidade, de por em movimentação os sentidos. Mas não todos. Não há um todo, um limite. Por isso, diz Barthes, o esquecimento crítico é um valor do texto, haverá sempre sentidos esquecidos, nunca se poderá reunir todos os sentidos na arena da rigidez de uma grelha analítica.

Na filosofia se definem falar e dizer, num certo sentido: O falar remete ao falante, o dizer remete as coisas mesmas ditas.

O poeta profere o “nome da mãe”, invoca-a. Invocada, a mãe começa a delinear-se, começa a aparecer, vem em fragmentos, pouco  nítida, mas forte, sentida, ou pressentida, sim, começa ele a pintar o retrato interno da dulcíssima Mãe, mãe-primavera, mão dos vales, planícies e que logo todos nós assumimos como nossa, e quem consegue falar da própria mãe morta sem tornar-se piegas? Conjuntamente, nossa mãe síntese-simbólica,  Fonte, semente e nome de nossa vida, que tudo nos deu. Tema freudiano, pois. Abismo psicológico.

No segundo soneto aparece D. Ramón Angel Jara, Bispo de La Serena, Chile, citado no texto, onde há citações, pós-modernidades.

O autor aí diz: “Calma, não chore, é apenas literatura”.

A descrição, o retrato começa pelos cabelos, tranças, a voz, a lembrança. A fonte do  pão, do leite, da flor, do fruto. Mãe que é para “amar depois de perder”, como no verso de Drummond. Na verdade, Tufic só de lembrá-la um soluço arrebenta-nos a crítica.


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