Que será de ti, Amazônia,
enquanto o homem que te desfruta
considerar-te
perene, imortal
como se imagina um duende ?
Que será de ti,
Amazônia,
enquanto se pensa no teu destino
sem nunca separar-te dos
interesses
daquele que te golpeia,
te reduz e te maltrata ?
Que
será de ti, Amazônia,
enquanto se teima em desconhecer
que teu reino se
acaba
onde a tua imensa vegetação termina ?
Que será de ti,
Amazônia,
enquanto os cegos herdeiros
do Lêmure implacável,
buscam
fórmulas vazias
para explorar-te racionalmente,
quando se sabe que os fins
econômicos
já são, por si mesmos,
irracionais ?
Que será de ti,
Amazônia,
enquanto não forem avaliadas tuas perdas
e teu desgaste
em
quatrocentos anos de falsa
prosperidade para o homem;
e de lenta
,
lentíssima agonia
para os sonhos e as riquezas
que te habitam
?
Que será de ti, Amazônia,
enquanto o índio que te protege
e
guarda os teus mistérios,
continuar sendo reduzido
e transformado em
caboclo ?
Que será de ti, Amazônia,
enquanto o revolvimento de teu
solo,
à cata de minérios,
envenenar os teus rios ;
e as toras de
madeira submersas
desabarem sobre ti
numa queda insalubre e frenética
de chuvas ácidas ?
Que será de ti, Amazônia,
enquanto o
desmatamento e as queimadas
transferem para os teus ares o sezão
dos
pântanos
e a temperatura dos infernos ?
Que será de ti,
Amazônia,
quando tuas lendas não tiverem mais
onde pousar; e a doce flauta
do uirapuru
quebrar-se numa profunda elegia
sobre os rios que
minguam
e os areais que avançam ?
Que será de ti, Amazônia,
última
página do Gênesis,
quando os seres que fazem a tua
escrita
enigmática,
mergulharem na usura
que te rebaixa
aos olhos do
mundo ?
Que será de ti, Amazônia,
se continuas espoliada e
sujeita
ao voto
que elege os teus algozes ?
Que será de ti,
Amazônia,
cujo tamanho incomoda pela ausência
de amor,
e cuja perda nem
mesmo um rio
de lágrimas
há-de chorar-te com justiça ?
Que será
de ti, Amazônia,
navegável piscosa hidra mesopotâmica
resistência dos
fracos
buzina dos ermos
igaçaba de fogos-fátuos
agora que teus
peixes,
de há muito impedidos de crescer
e desovar corretamente
já não
saciam a fome dos que
nada fizeram
para ver o futuro ?
Que será de
ti, Amazônia,
grandeza física que,
no entanto,
pode caber dentro de um
ninho qualquer,
desde que ele tenha a leveza
de tuas palhas
e a úmida
ternura
dos ventos que te embalam ?
Que será de ti,
Amazônia,
enquanto as crianças do globo
não souberem te amar em
plenitude,
ou seja,
do bicho mais rasteiro
às frondes mais altas de
teus bosques
e teus igapós ?
Que será de ti, Amazônia,
se as
fronteiras que te abraçam
numa ciranda geográfica de isolamento
e
fraternidade,
não aprenderem também a sentir
o pulsar de teus mares
sepultos
e a beber, em tuas águas,
a música das sombras ?
Que será
de ti, Amazônia,
paraíso da natividade cósmica
porto de lenha
sertão de
especiarias
inferno verde
berço do progresso
refúgio de
degredados
sorvedouro de talentos
remate dos vencedores,
quando és,
praticamente,
a última baliza do verde
com as terras-do-sem-fim
?
Que será de ti, Amazônia,
esfinge dos néscios
apetite dos
glutões
motivo de inspiração e de escárnio
natureza morta
peixe
colorido de estrelas importadas
autofagia mítica
cipoal de batalhas
demiúrgicas
aleijão vegetativo
sementeira de astronaves,
agora que meia
dúzia de sábios
te colocam no banco dos réus
e te julgam
em nome da
ecologia ?
Que será de ti, Amazônia,
quando a própria ecologia,
no
sentido global e verdadeiro,
deve partir da humanização urbana ?
Não é
fácil acreditar nas palavras
de quem se declara a favor
da Natureza
se
cultiva a poluição
e contribui para a miséria.
Que será de ti,
Amazônia ?
Os tucanos pedem socorro.
Ao fugirem das queimadas,
eles
invadem as cidades em busca
de comida. Primeiro foi o homem
das margens e
terras firmes
que se evadiu para sempre.
Agora são as aves de tuas
matas
que se desfazem na escuridão.
Os nichos sagrados estão em
chamas.
Teu coração também se revolta
e sangra, Amazônia.
Fetos de
carbono
imitam pajés enforcados
nas enviras do luar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário