terça-feira, 31 de dezembro de 2013

COTIDIANO E SENTIMENTO POÉTICO


NOÇÕES DE COTIDIANO E SENTIMENTO POÉTICO

O exercício de qualquer modo poético, ensina a ver e a sentir o nosso cotidiano não apenas como um território de batalhas pela sobrevivência material, mas, sobretudo, como veículo e atmosfera de emoções constantemente renovadas, surpresas e descobertas.
Sendo afetiva e universal, a poesia manifesta-se independentemente da vontade de cada um. O ser é parte dela. Esmagada ou esquecida em razão de interesses que parece contrariar, ainda assim, sob vários outros nomes e formas, ela penetra em tudo e em todos por magia de fenômenos pré-existentes ao raciocínio lógico.
A mente coletiva, presa aos estames da produção e do consumo, deixa passar em branco seqüências, movimentos, figuras, paisagens e fatos que, de repente, dado o hábito que adquirimos de correr e “esfriar” os sentidos mais próximos do humano, são creditados ao mundo da fantasia. A exploração do homem-pelo-homem, a miséria ambulante e ambulatória, a infância abandonada, as casas em ruínas, o êxodo rural que amplia o latifúndio e abarrota os presídios, as colinas e os campos distantes, o abate indiscriminado de animais, a verde transparência dos bosques, a lenta agonia das árvores, o drama social dos que vivem expostos ao perigo e à morte, já se constituem em partes inseparáveis desse vasto painel que se divide, principalmente, entre a casa e o trabalho. Diante dele, porém, raro saímos de nossa concha para um vôo mais extenso, capaz de avaliar as sutilezas que dançam entre o sólido e o volátil, entre o simples e o complexo.
Viver, dizia o campeiro ao praciano, todo mundo vive. Conviver, é que é. Extrapolando, portanto, da convivência entre pessoas, a convivência plena só pode ser alcançada quando vamos ao encontro dos “elos” e “qualisignos” do nosso cotidiano. É desse encontro, sem dúvida, que brota o sentimento poético. Nos passos da multidão enxergamos agora a caminhada do homem em seus diversos estágios de evolução e desenvolvimento. Nos olhares aflitos da criança e do cão que tentam atravessar uma rua, começamos também a refletir sobre os fracassos do nosso progresso. É que o homem, em última hipótese, já era dono de seu próprio caminho terrestre, antes do automóvel. O cotidiano é poético na medida exata de suahumanidade.
A mudança de época altera a pressão da linguagem, mas em nada modifica o “sentido primordial” e o “sentido profundo” do insight. A Forma Simples frustra o intento mais ousado das classificações literárias, e o “gesto verbal” recria a legenda. Segundo André Jolles, “para falar em termos de escolástica, pode-se dizer que a legenda contém, de modo virtual, o que existe na Vida de modo atual”. Considera Jolles, em seu livro famoso de 1930, as “formas simples” enraizadas na linguagem como “gestos verbais” elementares e que se originam de “disposições mentais” básicas do Homem em face do mundo e da vida. Dessas formas simples (que incluem a legenda, a saga, o mito, a adivinha, o ditado, o caso, o memorável, o conto e o chiste), analisa o autor a natureza, as características e as formas históricas de atualização, mostrando que delas derivam as formas literárias mais complexas: assim, por exemplo, o romance policial é a atualização da adivinha ( “Formas Simples”, Ed. Cultrix, SP, 1976). O que houve afinal após tudo isso? Terá a industrialização contribuído para estancar as fontes genéticas do mito, a força da legenda ou as múltiplas vertentes do conto e da gesta? Ou novas “disposições mentais” vieram à tona com a trágica libertação do átomo para fins genocidas?
De qualquer modo, todo o “revestimento” da civilização e da cultura inclina-se para o estético. A perspectiva de tais conjuntos sugere o poético. Para exemplificar, não se pinta uma casa somente com o intuito de proteger o embuço de suas paredes. Nem se plantam jardins, com repuxos e estátuas, somente para exibir exemplares da flora e entidades míticas, ou religiosas. A urbanização, coroamento que instala, definitivamente, o homem em seu novo hábitat, sempre em luta desigual com as mazelas do progresso, empenha-se também no embelezamento e no repouso de linhas estáveis, tendo em vista o bem-estar público. Em teoria, contudo, o longo trajeto de soerguimento do homem tem um compromisso ainda longe, talvez, de ser realizado: o de levá-lo, com êxito, a um segundo paraíso, humanamente impossível enquanto prevalecerem as diferenças de classes.


segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Violeta Branca e sua época
                                                                                         Jorge Tufic
 
A semana de arte moderna de 1922, em São Paulo, apesar da violência renovadora insuflada pelos seus prógromos e lúcidos admiradores, não chegou por aqui senão após o ano de 1954, exceto por algumas tentativas poéticas isoladas, tendentes a um regionalismo ufanista ou apenas seduzidas pelo culto do verso livre sem qualquer liame com as velhas formas parnasianas de arte-pela-arte.
Francisco Ferreira Batista, em sua conferência feita em 1955, na escola de Serviço Social, subordinada ao título “Conceituação do Modernismo no Amazonas”, aponta “O poema do Tarumã”, de José Chevalier, como o primeiro artefato modernista publicado em Manaus, “equivalendo seus efeitos, na oportunidade, aos causados pelo discurso proferido por Graça Aranha, na Academia Brasileira de Letras”. Na primeira fase destes surtos individualizados, com intuitos simplesmente adesistas na divulgação de uma que outra tentativa poética “Futurista”, assim chamadas na época, fora a revista “Redenção”,de Clóvis Barbosa, surgida por volta de 1924, que dera abrigo à incipiente manifestação rebelionária de alguns pioneiros. Em 1927, o ex-deputado Francisco Pereira da Silva lança a coletânea “Poemas Amazônicos¨, fortemente marcada pela corrente modernista que se arraiga aos motivos da terra, dentro do esquema nativista sublimado pelo grupo “anta”, constituído por Menotti del Picchia, Plinio Salgado, Cândido Mota Filho, Raul Bopp e Cassiano Ricardo.
Em 1929 surge “Equador”, também dirigida por Clóvis Barbosa. Esta revista fazia parte da série “Panorama literário do Norte de hoje”, um verdadeiro slogan de renovação cultural. Seu prefácio dá a entender que ela vigora na prática do melhor antropofagismo sulista, e condena a subliteratura que se exercitava em seu nome, em outras regiões do país. E defende um regionalismo comportado na trilha aberta por Mário de Andrade e Cassiano Ricardo. “Uma etiqueta passadista viciou a arte brasileira com estrangeirismos retóricos. Está errado. Tão errado como compreenderem que brasilidade modernista é escrever em cassange o elogio dos lugares-comuns da nossa paisagem”. “Neste brado grandiloquente só reboaram as investidas de seu primeiro e único número”, de conteúdo que nada tinha do que se pregava no introito referido. Seu denodado proprietário e orientador não conseguiu atingir as culminâncias previamente anunciadas, por contingências mesológicas. É preciso notar, porém, que Clóvis Barbosa não descurou da capacidade de nossos homens de letras, ou seja, daqueles que acreditavam nas possibilidades do movimento renovador, visto pelos passadistas como um ciclone no pensamento literário, a exemplo de hordas iconoclastas”. Arrostando toda a sorte de imprevistos e má vontade, ele investiu novamente voltando a publicar, dessa feita, a revista “Redenção”, que alcançou, em parte, sua verdadeira finalidade. É o que se deduz pela verificação dos nomes de realce que dela participaram. Em “Redenção” militaram figuras representativas do ¨modernismo¨ amazonense , a saber: Miriam e Aldo Moraes. Abguar Bastos, Ramayama de Chevalier e Francisco Pereira. Esse órgão “oficial” dos “modernistas”, o mais importante que tiveram, viveu duas fases: a primeira, de 1924 a 1927. A segunda fase vem de 1931, com uma nova reação ao próprio modernismo impregnado de sentimento nacionalista, que se fazia sentir nas metrópoles do país – para desaparecer definitivamente, entre 1934 ou 35. “Ainda podemos mencionar a revista “Vitória Régia”, dirigida por Francisco Benfica, que abrigava, como filhos bastardos, produções de poetas “futuristas”. A revista “Cabocla”  contribuía, por igual, no sentido de propagar o movimento de 1922 no Amazonas, publicando poemas e crônicas que traziam a chancela de Genezino Braga, nem inteiramente divorciado do passadismo nem integrado na psique revolucionária do modernismo. Havia também, o jornal Reação de Moacir Dantas, cuja  pagina literária domingueira editava poesias de Sebastião Norões e Mário Ypiranga Monteiro. “Era desnorteante” – escreve Francisco Batista – “o contraste da página literária do jornal “Reação”: Parnasianismo e modernismo, o que atesta o empirismo telúrico. O próprio dirigente da folha, Araújo Neto, era poeta passadista, regido pelos cânones ditados pela musa de Bilac. Nessa mixórdia parnaso-modernista víamos dois interesses, diametralmente opostos, conciliarem-se pelas injunções espaciais de um suplemento de jornal”. Tudo parece ter ficado nisso.
Mesmo depois dessa etapa, quando o movimento modernista assume novos aspectos, filtrando a experiência estética libertadora numa tomada de consciência em face da problemática nordestina, nada podemos constatar na literatura amazonense como reflexo positivo daquele movimento artístico e literário. Enquanto isso, Pernambuco já tinha lançado seu famoso “manifesto regionalista” enquadrando em seu contexto “a realidade histórico-cultural nordestino, com seu cenário geográfico, sua dramaticidade, a sua tipologia humana e a sua mitologia popular”. Os resultados concretos desta tomada de posição nós vamos encontrar nas obras de José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Graciliano Ramos. No romance, os nossos escritores fincavam baliza entre o ensaio e a prosa de ficção, ressaltando-se, contudo, a importância documental  e sociológica dos temas enfocados, do “inferno verde”, de Alberto Rangel à “A selva” de Ferreira de Castro. Perdidos no cenário amazônico, passávamos aos poucos da noção de inferno verde para a tônica ufanista da terra verde, sem, nem por acaso, lograr-se ultrapassar as fronteiras da “informação copiosa”, da observação “fidedigna”, isto situados genericamente na literatura amazônica, onde, inclusive, repontam as novelas de costumes, as contribuições de fundo ecológico e o lado puramente descritivo, cujo pano de fundo são os célebres “gaiolas”, as lendas regionais e o contraste pitoresco dos enredos amorosos de Hollywood enxertados na paisagem fluvial. Segundo Peregrino Junior, a fase chamada “modernista” da literatura amazônica, está ligada apenas aos nomes de Abguar Bastos, Dalcídio Jurandir, Gastão Cruis, Raul Bopp e Peregrino Junior. “Ao lado dessas” – relata Peregrino Jr. – “muitas figuras secundárias e acessórias, de filiação difícil que nem por isto deixam de ter sua parcela de interesse. Como se sabe, no regionalismo, muita coisa de escassa importância literária tem grande importância sociológica, isto é, pela documentação e pela informação”.
A partir de 1930, portanto, fraquíssimos eram ainda os reflexos da Semana de Arte na literatura amazonense. Contam-se a dedo os nomes que defendiam a Escola moderna. Mas ocorre aí um fato bastante singular na vida literária de Manaus, talvez inexplicável sob o ponto de vista da coerência intelectual: em 1935, a poetisa “modernista” Violeta Branca publica no Rio de Janeiro, seu livro de poemas “Rythimos de Inquieta Alegria” e, dois anos depois, consegue eleger-se membro da academia Amazonense de Letras. O fato assume um tom de saborosa incoerência, de vez que a poetisa, além de modernista, e como tal deslocada no meio acadêmico, fora a segunda mulher brasileira a figurar numa Academia.
Violeta Branca Menescal de Vasconcelos nasceu em Manaus, no dia 15 de setembro de 1915 e faleceu no Rio de Janeiro, em 7 de outubro de 2000. Ocuparam-se de sua obra, dentre outros, Genesino Braga, Tenório Telles e Marcos Frederico Krüger, tendo merecido , de Almir Diniz, em seu livro Mulheres, a homenagem de um soneto intitulado Canto de Liberdade. Não são poucas, contudo, as homenagens que ela tem recebido no decorrer destes últimos dez anos, destacando-se, para estudo e consulta, Violeta Branca (O poetismo de vanguarda), ensaio e documentário de Carmen Novoa Silva, de quem foi amiga até a data de seu trespasse. Vale a pena reler este livro, no qual, também, comparece uma transcrição da Antologia Poética da Mulher Amazonense, do escritor Danilo Du Silvan, editada em 1984. Embora sem os recursos formais de Cecília Meireles, nem, também, sua profundidade conceitual diante do mundo, Violeta Branca, afinal, segundo Tenório Telles, pertence à primeira fase do modernismo. ¨Seu discurso poético é fluido, despojado de qualquer pretensão acadêmica¨, conclui esse mestre. Feminina, inclusive, não nos parece, em nenhum momento, preocupada com o gênero de sua própria  inquietação lírica ou existencial, enfatizando, sobretudo, a monumentalidade interior que se apressa a fazer de seu canto um jornal de surdinas e confidências, algumas vezes pueris, mas sempre como se estivesse entre árvores e pássaros.
Não me garanto a suposição, mas, segundo um velho amigo e colega do Clube da Madrugada, cruzáramos no Rio de Janeiro e em Manaus, sem que Violeta Branca soubesse qualquer coisa sobre mim ou eu duvidasse da sorte que me envolvera, por segundos apenas, no ar de sua presença profundamente evocativa, suavemente encantadora. Assim é a vida, e o que poderia ter sido pouco bate com as perfumadas lembranças do que realmente, foi.
N do A: palestra proferida na noite de 21 de dezembro de 2012, no auditório da Academia Amazonense de Letras, em comemoração ao centenário de nascimento de Violeta Branca.
 
 
                    
 
 

UMA SIMPLES APRESENTAÇÃO

    UMA SIMPLES APRESENTAÇÃO
   
     Escrever sobre o poeta Alencar e Silva, sobretudo quando o tema recai nos sonetos reunidos neste volume, somatório de uma vida inteira dedicada à poesia, antes de ser uma tarefa que nos empolga, é um dever que nos desarma diante de tantas facetas de sua vida e de seus múltiplos recursos de escritor preocupado em fixar pormenores da história cultural da geração madrugada, de cujos primórdios datam as primeiras estrofes de sua pena versátil.
     Ainda jovem, em Manaus, escrevia e publicava sonetos, poemas, artigos e crônicas nos matutinos e vespertinos de maior circulação, inclusive na revista de Anísio Mello, ¨Amazonas Ilustrado¨, de 1952, ano este que marca sua estréia na poesia, com o livro ¨Painéis¨. Em 1951 participou de uma caravana de poetas que demandara o sul, sudeste e extremo-sul do País, com paradas obrigatórias no Rio de Janeiro e São Paulo, estando esse grupo constituído pelos seus amigos de então e de sempre Farias de Carvalho, Antísthenes Pinto e Jorge Tufic. Numa segunda viagem dessa caravana, passaria a integrá-la o inesquecível Guimarães de Paula. Segundo historiadores, estas duas incursões dos ¨caravaneiros¨, também chamados de ¨monges¨, se inscrevem nos antecedentes do movimento madrugada, surgido em 1954, ou seja, um ano após seu retorno definitivo a Manaus, em cuja praça do Pina deu-se o encontro da geração que tomaria seu nome: a ¨geração madrugada¨.
     Um raro depoimento sobre Alencar e Silva é de Arimathéa Cavalcante, completamente avesso a qualquer manifestação desse tipo. Segundo esse mestre, também poeta e dos bons, ¨ALENCAR E SILVA é um Midas admirável. Moderno. Tem o Dom mágico de transformar, não no ouro que não tem importância para ele, mas em poesia tudo aquilo que toca. Respira poesia, e é dela que o mundo de hoje mais precisa, porque sendo mescla de prazer e dor, é sobretudo natureza, amor, vida, é Deus que vem para dar um novo alento ao mundo em rotação¨(¨Território Noturno¨, Coleção Madrugada, 2003). Para Max Carphentier, no prefácio de ¨Noturno Após o Mar¨, livro de crônicas e poemas em prosa do autor deste livro, ¨Alencar e Silva pertence a essa corporação restrita de reveladores-salvadores do divino-humano, dos que, esperançosamente sós, se fortaleceram e se consumaram, e se aceitaram majestosamente tristes, sabiamente sombrios, numa estratégia apostolar milimetrada, para poderem preparar, a partir mesmo do cerco das sombras, a hora da alegria.¨
      Acha-se também, e com justiça, incluído na antologia de André Seffrin, ¨Roteiro da Poesia Brasileira¨- ANOS 50, Global Editora, SP, 2007, sob a direção de Edla van Steen,- parte de uma série que trata das raízes até o ano 2000, um instrumento auxiliar e da maior valia para o estudo das fases e dos processos criativos de nossa literatura. ¨Os anos 50 foram dos períodos mais férteis da poesia brasileira do século XX ¨ Tempo de grandes aventuras formais, suplementos literários, debates, performances. Fazendo coro às mudanças e inovações, Alencar e Silva foi um dos teóricos da ¨poesia de muro¨, apoiada pelo Clube da Madrugada e outras correntes estéticas que fizeram história.
     ¨Poesia Reunida¨é de 1987, com três livros, apenas, de sua laboriosa oficina, editados entre 1965 e 1986. Apresentando-a, discursa o poeta e cronista L. Ruas, de saudosa memória: ¨Gostaríamos apenas de dizer que Alencar e Silva comprova, na edição desta obra conjunta, que permanece fiel a si mesmo, o que equivale dizer que permanece fiel à sua singular vocação poética¨. E Elson Farias, no prefácio à primeira edição de ¨Lunamarga¨, não deixa por menos: ¨O livro que temos em mãos, além do timbre pessoal característico da expressão autêntica, traz as melhores qualidades da atual poética brasileira: profundidade mítica, angústia, a palavra existindo livre dos luxos supérfluos e do comum, dolorosamente sofrida e recriada no espaço vital do seu mundo.¨ A fortuna crítica tonteia pelas celebridades: José Alcides Pinto, Ramayana de Chevalier, Arthur Engrácio, Antísthenes Pinto, Genesino Braga, Guimarãs de Paula, Anísio Mello... 
 
 
 
 
      Na qualidade de homem público e braço de Governo, sobressai-se  como Diretor-Presidente da Imprensa Oficial do Estado, fazendo editar o Suplemento Literário Amazonas, que circula de novembro de 1986 a outubro de 1988. Nada disso por conta do Estado, senão através de um acordo feito junto aos assinantes do Diário Oficial, com alguns centavos a mais nas respectivas assinaturas. Foram, na verdade, vinte e quatro edições e uma distribuição nunca vista antes por toda a América do Sul. Além disso, pagavam-se as colaborações selecionadas pela Comissão Editorial e a ninguém, que eu saiba, negara-se acolhida em suas páginas abertas, quer para todos os amazonenses, quer para escritores de outros Estados brasileiros. Por falta de maiores aproximações ou tempo para isso, valeu-se o Diretor-Presidente daqueles companheiros do Clube da Madrugada que aparecem no expediente, sem, contudo, discriminar ou cercar a iniciativa de normas ou preconceitos temáticos ou lingüísticos, muito menos grupais ou pessoais. Em tão pouco tempo à frente do órgão, nem por isso deixara, também, de apor o seu visto favorável à publicação de obras importantes da literatura amazônica.
      Assis Brasil, no volume ¨A Poesia Amazonense no Século XX¨, relembra que ¨Astrid Cabral haveria de destacar o veio romântico e ¨o equilíbrio clássico¨ da poesia de Alencar e Silva, toda vazada em ¨dicção despojada e serena¨. Enfim, ¨amazonense e brasileiro por circunstâncias biográficas, podendo aplicar-se a Alencar e Silva a verdade pessoana: sua pátria é a língua portuguesa¨. E vai mais longe na pesquisa a que sabe imprimir o calor da descoberta: ¨Escrevendo desde adolescente, entre poemas e primeiros livros publicados, ativa colaboração nos jornais de Manaus, A Tarde, de Aristóphano Antony, e A Crítica, de Umberto Calderaro Filho. O jornalismo literário foi feito em O Jornal, onde o Clube da Madrugada mantinha um importante suplemento e no Jornal-Cultura, da Fundação Cultural do Amazonas, de que foi secretário e editor¨. Digressões necessárias, já que o nosso Alencar é, antes do mais ou do menos, poeta. Um poeta universal desde que nascera, e mais que universal, cósmico, já que até mesmo o ponto geográfico de seu nascimento, em Fonte Boa-AM, as enchentes cíclicas arrastaram para o oceano atlântico. 
       Mas foi o professor e crítico Arimathéa Cavalcanti, o autor que melhor estudara o poeta no livro citado linhas atrás, estudo esse o qual, pela extensão e planejamento, tem-nos encaminhado para uma compreensão global de sua obra poética. Deste modo, esclarece: ¨PUDE agora ultimar a análise, sem caráter definitivo, mas de modesta contribuição, na certeza de uma verdade insofismável: a obra enriquece espiritualmente a quem quer que a folheie. Pois o livro – Território Noturno, de Alencar e Silva, propõe amplas reflexões, eis que abrange aquelas regiões oníricas onde nem sempre mergulham escafandristas neófitos, na tentativa de desvendar-lhe quando não o hermetismo, pelo menos a aura de enigma criada pelos símbolos, ajudados do próprio autor, em comparações e confrontos textuais¨. Ressalta o lírico, percebe vagamente a presença de um neo-misticismo em algumas de suas escritas, dando-nos, afinal, uma investigação crítica dificilmente encontrada em monografias da espécie.
        Poeta maior, escritor extensivo aos mais difíceis gêneros literários, memorialista que faz a história de sua geração e do Clube da Madrugada, Alencar e Silva conta com os seguintes livros publicados, entre prosa e poesia: ¨Painéis¨, poesia, 1952, ¨Lunamarga¨, poesia, 1965, ¨Território Noturno¨, poesia, 1982, ¨Sob Vésper¨, poesia, 1986, ¨Poesia Reunida¨, 1987, ¨Noturno Após o Mar¨ (crônicas e poemas em prosa), 1988, ¨Sob o Sol de Deus¨, poesia, 1992, ¨Ouro, Incenso e Mirra¨ (poema em cinco segmentos e cinqüenta sonetos), l994, ¨Solo do Outono¨, poesia, 2000, ¨Jorge Tufic: As Tendas do Caminho¨, ensaio, 2004, ¨Crepuscularium¨, poesia, 2006. A sair, tem o Autor os seguintes títulos: ¨Prosa Vária¨, ensaios, e ¨Poetas e Figuras na Paisagem¨, ensaios. Entretanto, como um de seus velhos companheiros, sou testemunha das inumeráveis ocasiões em que a Musa lhe dera aquele sopro extra para compor sonetos e poemas, satíricos ou não, com o único objetivo de exercitar as falanges, expor deformidades ou tirar-nos de certos apertos em nossos caminhos pelo mundo. Um fato no mínimo grandioso, ocorrido em São Paulo (1951), ao ensejo da visita que fazíamos à sede da Prudência e Capitalização, na tentativa  de obtermos apoio às nossas viagens de Caravaneiros da Cultura, foi Ramayana de Chevalier, secretário particular de Adalberto Vale, Superintendente da empresa seguradora, quem  nos sugeriu a idéia de formularmos o pedido que tínhamos a fazer, através de um soneto.  Sem demora, Alencar e Silva tomou a si o desafio, redigiu, com a maior tranqüilidade, os quatorze versos solicitados, e, assim, com este ¨passaporte¨ , oficializamos palestras e contatos em Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.
       A obra de que estamos nos ocupando, reúne todos ou quase todos os sonetos do autor, recolhidos das páginas de oito títulos, com mais alguns avulsos, sem falar nos improvisos ou nas circunstâncias poéticas ou de foro íntimo. Sem falar, também, nos rejeitos que vamos deixando nas cestas do lixo, nem sempre merecedores desse trágico destino. Egresso do rigor parnasiano, do neo-simbolismo e dos versos livres que trazíamos conosco do sul do País, a estrutura do soneto alencarino é simples, funcional e profundamente sugestiva, quando retarda ou deixa ao leitor a fruição  da beleza e da verdade. ¨Quero enxuto o meu verso e muito simples¨  Em  ¨O Soneto no Amazonas¨ (pag. 22), eu destaco esse verso de um soneto de ¨Lunamarga¨ como exemplo de ¨linhas calmas e transparentes, despojado de lugares-comuns e dos artifícios postos em prática, na ânsia de  inovação, por certos autores da corrente futurista¨.
      Já é hora, contudo, de entregar ao leitor este livro do poeta, representativo, como se verá, de uma de suas paixões literárias, talvez a maior, que é a arte do soneto. Mas Alencar e Silva é poeta em qualquer situação, gênero ou categoria. Um belíssimo poema ele carrega, também, no  afeto e na convivência humana, de que nunca, jamais, enquanto vivermos, podemos nos esquecer.  
                                                                                                    Jorge Tufic

domingo, 29 de dezembro de 2013

DUETO PARA SOPRO E CORDA

DUETO PARA SOPRO E CORDA



SONETO A RICARDO REIS
Não por teu verso fluido e transparente,
Nem pelos deuses a quem sombra calma
Deste, lembrando a suave permanência
Do que puro inda resta onde não somos.
Mas ao prazer deixado ali freqüente
Em ler-te, aberto o livro e aberta a alma,
Todo um orbe revelas na existência
De um sorriso que em mármore supomos.
Pelas horas de humano entendimento
Em que dos tempos idos a beleza
Converges para um tempo começado;
E de, sendo tão parcos, um momento
Crer-se que o bem maior, glória ou riqueza,
Nada fica além disto que há sonhado.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O CRISTO DE SARAMAGO

 



O CRISTO DE SARAMAGO


A rede, sim, transluz-se e colhe o peixe.

A terra é sangue, inútil proteção

ao cordeiro aflitivo – que se o deixe

manumisso da horrível sagração.


A tempestade, o mar, o rubro feixe

se azula em mim nos touros de um clarão...

Ventos, parai! Que o mundo não se queixe

dessa fúria de Deus em minha mão.


Que são curas, milagres como o vinho,

meus pássaros de areia, o gesto santo

no adiar-se a vida para mais caminho?


Uma simples mulher curou-me, um dia,

das chagas com suas lágrimas; e o quanto

dera-me alívio à cruz donde eu pendia.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Lembranças de Alphonsus de Guimaraens Filho











 





Lembranças de Alphonsus de Guimaraens Filho





Jorge Tufic


A primeira e última vez que estive com Alphonsus de Guimaraens Filho traz a data que ele mesmo apôs na dedicatória de sua Antologia Poética, em Brasília: 13/09/1970. Estávamos formando um grupo no hall do Hotel Nacional, além de nós dois, Malba Tahan, Adonias Filho, Dinah Silveira de Queiroz, Antonio Girão Barroso, Aires da Mata Machado Filho, Viana Moog, Áureo Mello, entre outros, recém chegados para o III Encontro Nacional de Escritores. A essa “lembrança muito cordial” do poeta viera juntar-se um outro livro de sua autoria, este de memórias, ofertado em Mariana pelo artista plástico Layon, de origem libanesa, em abril de 1996. São, portanto, dois volumes que guardo até hoje, ambos com as mais sentidas fragrâncias de Mariana, MG, cenário tanto da poesia quanto da vivência de pai e filho, raízes do simbolismo nacional. Sente-se a alma que habita essas páginas, do chão pisado com rosas e cinamomos aos episódios da vida cotidiana, sobressaindo-se, nelas, as reminiscências da infância, temperadas com humor, lirismo e evocações de família.  Da Antologia, não sossegam de reclamar sucessivas releituras de um chamado soneto “Do Azul” e o poema “Cemitério de Pescadores”.  De “Alphonsus de Guimaraens no seu ambiente”, um monólogo biográfico, todos os capítulos são belos e reveladores, daí que também registram a presença de Da Costa e Silva em Belo Horizonte, Martins Fontes e Belmiro Braga, o “trovador de Vargem Grande”, sem mencionar, aqui, as importantes achegas sobre Mário de Andrade, Carlos Drummond, Henriqueta Lisboa, a Academia Mineira e, sobretudo, Alphonsus de Guimaraens, o pai, falecido em 1921.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

SONETO DA PARTILHA




SONETO DA PARTILHA
Sonhei por um caminho, igual à trilha
que leva de um regato a outro regato;
e assim, me alçando vôo, no mesmo ato
revi meus pais, que triste maravilha!
Ambos em teto pobre: mesa e bilha
do tempo de meus acres só de mato,
mas de rifles também, para que exato
fosse o revide em caso de partilha.
De um sonho fui a outro e deste ao sonho
de que estava acordado; e vi-me fora
quando o circo tornara-se enfadonho.
Ainda vago, porém. A cada hora
de uma parte de mim logo disponho,
enquanto a que desperta, vai-se embora.

domingo, 22 de dezembro de 2013

POEMAS

Voragem


Rostos que nunca vi, jacintos murchos
cujas sonatas frias me tocaram,
estes rostos não quero: eles são breves
no desfile das pálpebras cerradas.
Penso naqueles outros, familiares
rostos de toda a vida. Cataventos
da rua ainda sem nome, alagadiço
porão da infância, arpejos e trigais,
dai-me a ver novamente ou mesmo em sonho,
estes semblantes nunca repetidos,
graves alguns, mas todos inseridos
na memória dos dias voluntários.
Cemitério, talvez, dessas lembranças,
todas, em mim, são rosas e crianças.

Calendário


Calendário
vida,
ainda se fosse possível
compreender esses códigos
gravados na cripta
dos teus avessos.


Então
as palavras já nasceriam
feitas,
a lã
não teria seus pastores,
nem os pastores
seus montes,
nem as montanhas
suas grutas de rapina,
nem o chão da terra
os rastros da serpente.


Nem os maus seriam chamados
para mudar o caminho
da história;
nem os bons haveria
porque a bondade
e o martírio
jamais se banham nem se repetem
nas águas do mesmo rio.
PROSPECÇÃO

Ninguém te vê.
Só os ventos te penetram.

Ninguém que esteja saciado
ou faminto
necessita de ti.

Neste exato sem nome
reintegra-te à nuvem que passa
e ao canto das aves.

o poeta, já o disse,
é um ser transparente.

Invicto. Desnecessário
entre porcos, hienas
e outros viventes

solidariamente incompletos.

AGENDA 1965

AGENDA 1965,





25/26/dez.

Total das obrigações restantes do ano: 224.200, divididas entre dezoito pessoas físicas e jurídicas.

27/dez.

Sento-me com meu compadre e amigo Luiz Ruas na calçada do estúdio da Rádio Rio Mar, onde começamos um papo descontraído. Diz-me ele:
- Tudo na vida se resume numa questão de perspectiva. Eu vejo e sinto de um modo, você de outro. O que mais admira nisso tudo, é que em meio a tantas diversidades, ainda somos capazes de conviver uns com os outros.
Depois, ajunta:
- Um problema é um problema enquanto tiver solução. Do contrário é um absurdo, e diante do absurdo só cruzando os braços. Ou seja, conforme um axioma sefardita, para o que não tem jeito, já está dado jeito.
Precisei desse encontro e dele saio reconfortado.

29/dez.

Com efeito, soa o telefone no Gabinete do Delegado com a Dulcicléa informando do Rio que o Decreto com os nomes do Amazonas fora assinado pelo Presidente em 23 do mês em curso. Adiantou ainda que o mesmo será publicado no D.O. da União do próximo dia 31, o mais tardar. Por conta, houve uma prévia comemoração da turma com uma garrafa de Grants, no bar Jangadeiro.

30/dez.

O ¨Diário Oficial¨da União traz, hoje, dia 30, o Decreto assinado pelo Presidente Humberto Castelo Branco, que readapta para a classe de Inspetores do Trabalho, respectivamente, os servidores Mário Ferreira da Silva, Jorge Tufic Alauzo e João Batista de Almeida.

31/dezembro

Apesar dos pesares, Ano Velho, talvez eu tenha sido injusto contigo, ao tentar apressar um benefício que, noutras circunstâncias políticas, jamais seria alcançado.
* Mas já em teu final recebo a grande notícia que há três anos vinha sendo aguardada. Devo agora agradecer-te, pois somente agora compreendo os teus sábios caprichos de Mestre, fazendo-me sofrer para conquistar e dar valor ao troféu conquistado. Aqui me vejo, portanto, a sorrir entre as esperanças confirmadas e o desafio que apenas se esboça no limiar de minha nova vida funcional. Deo Gratia.

N. do A.: No mês de fevereiro de 1966, reservei parte de meu vencimento e fui, em pessoa, ao encontro de meus abnegados credores. Paguei a quase todos, já que alguns, mais íntimos, negaram o compromisso desejando-me sucesso no trabalho. Na verdade a gente, aos poucos, vai estranhando como tudo muda ao nosso redor. Mas essa já é outra história.

sábado, 21 de dezembro de 2013

SONETO PARA BOCAGE



SONETO PARA BOCAGE


Que sabes tu de mim, rosto sereno,
mão armada de cálamo, chinelo
diante do pé lanhado e não pequeno,
em tudo a imagem de polichinelo?

Que sabes do que sou, profundo anelo,
sempre avesso ao teu lodo, embora ameno
ou pálido me adentro em teu castelo
e bebo do teu vinho e teu veneno?

Que sabes deste outro que procuro,
Se reverbero enquanto te consomes,
e entre nós se levanta um novo muro?

Fardo que me aprisiona, quem imagina
ser um monstro fugaz, com tantos nomes
a fera em que me escondo e me assassina?

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

SONETO A UMA TELA ESQUECIDA

DUETO PARA SOPRO E CORDA,





SONETO A UMA TELA ESQUECIDA


Douradas estações fazem seu lume
de ontens sangrados e amanhãs nevoentos.
Que somos nós? Tutores desses ventos,
breve fulgor, insólito perfume.
Celebrar esse instante era costume
sob as copas de bosques cismarentos;
dele jorraram vinhos sumarentos,
dele a canção do afeto e do negrume.
Entre o sono e a vigília, amor e tédio,
crestam videiras; lá, barra-se o dia
que à cena empresta um rústico debrum.
Assim pintores viam, sem remédio,
fixar-se o tempo escasso da alegria
na sucessão de um brinde apenas um.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Jorge Tufic à queima-roupa


Jorge Tufic à queima-roupa

1) O que é poesia para você?
Deve ser o substrato da primeira manhã do universo, algo que teria se fixado em minha retina nos albores de minha infância em Sena Madureira-Ac, lá pelos idos de 1935. Um cenário bucólico onde o rio, a mata, os igapés, violões à distância e o desafio dos cantadores nordestinos, soldados da borracha, tanto me deslumbravam quanto acenavam desafios que somente anos depois eu viria a aceitar, compondo o meu primeiro soneto. É um sentimento forte demais para uma criança que ainda não tinha amigos nem brinquedos.
2) O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Um iniciante no fazer poético deve perseguir os bons livros de poesia. Devorá-los em silêncio, de preferência contido diante de qualquer impulso ou chamado para os primeiros rascunhos, tarefa essa que deve ficar para quando dispor de muito papel para ser gasto. A ilusão de texto definitivo é um dos véus de Maia nessa fase de busca de estilo e de linguagem.
3) Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Minha escolha de três poetas-modelos recai sobre Jorge de Lima, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar. O primeiro pela sua exuberância e riqueza de metáforas, o segundo pela simplicidade e o terceiro pela extrema economia verbal, sem abdicar do discurso lírico e da participação social.
Jorge Tufic nasceu em Sena Madureira, Acre, a 13 de agosto de 1930. Viveu em Manaus durante 46 anos, dali saindo para morar em Fortaleza, em 10 de dezembro de 1991. É autor da letra do Hino do Amazonas, entre vários livros de poesia, ficção e ensaio, perfazendo os 50 títulos publicados. Pertence a várias entidades, entre as quais a Academia Amazonense de Letras, Academia Acreana de Letras e a Academia de Letras e Artes do Nordeste, sendo, além disso, detentor de inúmeros prêmios literários, com destaque ao Curso de Arte Poética, prêmio nacional da Academia Mineira de Letras para o ano de 2003. É Comendador da Ordem do Mérito Cultural do Estado do Amazonas, Cidadão Honorário de Fortaleza e colaborador do portal Cronópios da Internet. Foi objeto de uma primorosa reportagem do jornalista Jacques Menassa no jornal libanês Al Naher, já divulgado e traduzido para 80 idiomas. E-mail: jorgetufic@hotmail.com

Nova obra de Jorge Tufic foi lançada ao público

Nova obra de Jorge Tufic foi lançada ao público




 
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Após 53 anos de sua estreia literária com o livro de poesia Varanda de Pássaros, Jorge Tufic, um dos escritores mais expressivos da literatura amazonense lança sua primeira novela neste sábado, dia 25 de abril,
às 10h na Livraria Valer (Rua Ramos Ferreira – 1195, Centro). Na ocasião, o autor falará da produção do livro e do assunto que permeia a obra.
Um hóspede chamado Hansen divide-se em quatro partes, sendo que nas três primeiras apresenta a novela e, em seguida, dez contos inéditos. O personagem Ronaldo é um desses hipocondríacos que volta e meia encontramos por aí. Ele sai de hospital em hospital para desvendar um mistério: a aparição de manchas luminosas no seu braço. Apesar de toda procura, o leitor terá uma surpresa ao final da descoberta de Ronaldo. É com esse enredo que o escritor Jorge Tufic constrói a sua novela que faz parte do livro. Outro destaque de Um hóspede chamado Hansen são os 10 contos que compõem a quarta parte do livro. Pula-Pula, O sonho de Tibério, Condenados na Praça e As cincos rosas trazem textos curtos, que exploram o realismo fantástico do cotidiano. Tanto a novela quanto os contos foram escritos há 23 anos e só agora serão publicados.
 
O AUTOR
Jorge Tufic, poeta e ensaísta, nasceu no Acre. Descendente de uma família de comerciantes árabes, seu pai desenvolveu suas atividades comerciais nos seringais. Com o declínio da produção de borracha, transferiu-se, no início da década de 40 aos, para Manaus, onde realizou seus primeiros estudos. Exerceu, durante boa parte de sua vida, a atividade de jornalista. Tufic é um dos fundadores do Clube da Madrugada e ocupa a cadeira n.º 18 da Academia Amazonense de Letras. É membro da Casa do Poeta Brasileiro, da Academia Acreana de Letras, da Academia Pré-Andina de Letras e Letras do Nordeste Brasileiro. A partir do início da década de 90, fixou-se em Fortaleza, dedicando-se exclusivamente à literatura. Sua produção literária é uma evidência de sua identificação com o universo regional, seu esforço em criar uma obra identificada com os mitos, anseios e esperanças do homem da Amazônia.
Principais obras: Poesia: Varanda de pássaros, 1956; Pequena antologia madrugada, 1958; Chão sem mácula, 1966; Faturação do ócio, 1974; Cordelim de alfarrábios, 1979; Os mitos da criação e outros poemas, 1980; Sagapanema, 1981; Oficina de textos, 1982; Poesia reunida, 1987; Retrato da mãe, 1995; Boléka, a onça invisível do universo, 1995; Os Quatro elementos, 1996; Quando as noites voavam, 1999; Dueto para sopro e corda, 2000; Sonetos de Jorge Tufic, 2000; Conto: O outro lado do rio das lágrimas, 1976; Os filhos do terremoto, 1978 Ensaio: Existe uma literatura amazonense, 1982; Roteiro da literatura amazonense, 1983; O Protesto de Bocage, 2004.  Crônica: Tio José, 1976. Memória: A casa do tempo, 1987. Novela e contos: Um Hóspede chamado Hansen, 2009. Livros inéditos: Guardanapos pintados com vinho (poesia). Amazônia: o massacre e o legado (ensaios); O Sonho de Tibério (crônicas); Jorge Tufic: o Senador da Cultura (recortes de campanha política); O Soneto no Amazonas: sua história, sua evolução (ensaio com antologia);
Evento: Lançamento de livro
Título:  Um hóspede chamado Hansen
Páginas: 96
Autor: Jorge Tufic
Editora: Valer
Preço do livro: R$ 25
Data: 25 de abril de 2009 (sábado)
Horário: 10h
Local: Livraria Valer – Rua Ramos Ferreira, 1195 – Centro
Contatos: 3635-1324 (Livraria Valer)
 

Jorge Tufic é nome de Espaço Cultural


Jorge Tufic é nome de Espaço Cultural

Fica no Marbelo Ariaú de Fortaleza, na praia do Futuro, o Espaço Cultural Jorge Tufic, onde o poeta posou para a posteridade.

Magia e Sedução

Magia e Sedução

Jorge Tufic


Cronologicamente, deve ter sido em 1948 que tive meu primeiro encontro com Almir Diniz, na redação da “Folha do Povo”, em Manaus. E já nessa época ambos assinávamos uma coluna nesse jornal do combativo Francisco Rezende. Transitávamos da crônica ao soneto, sob os olhares compassivos do mestre Adaucto Rocha, um paraibano que foi colega de Café Filho na imprensa de João Pessoa, agora a serviço da nossa como Redator Chefe. Uma época turbulenta, pois tivemos a oportunidade de assistir aototal empastelamento da gráfica, seguido de incêndio, dano jamais reparado pelo Governo de Leopoldo Amorim da Silva Neves.

Mas nada impedira que seguíssemos em frente, Almir para “O Jornal”, dos Archer Pinto, e eu para “O Tempo”, semanário fundado por mim e o jornalista Julian Flores Lopes. A poesia, contudo, era o que mais nos fazia sonhar, principalmente através dessa forma fixa imortalizada por Camões e Petrarca. Tanto que, sessenta anos após, organizei e publiquei, em coautoria com Gaitano Antonaccio, uma espécie de florilégio sob o título de O Soneto no Amazonas, onde figuram textos de autores amazonenses e duas longas pesquisas que fizemos sobre as origens do gênero nas terras de Makunaíma. O que vale dizer, vencemos os anos acreditando na “chave de ouro”, enquanto os modernistas da primeira hora esnobavam de Bilac e a geração de 45, através de Lêdo Ivo, trazia-a de volta sob novas roupagens, sempre bem recebidas pelos leitores brasileiros.

Este livro, Magia e Sedução, composto em 2003, dá-nos mais uma prova da dedicação do autor – hoje com várias obras publicadas e uma estante cheia de diplomas e títulos conquistados em certames nacionais, a exemplo do Prêmio Esso de Jornalismo – quer aos temas iniciais de sua inspiração lírica, quer aos difíceis quatorze versos que fazem de nós aqueles eternos e contemplativos ouvintes da Via Lactea.

Juízos de valor? Ao invés, degustem os leitores daquilo que ainda podemos definir como poemas de amor de todos os tempos, tal fora um dos prazeres estéticos de Walmir Ayalla, ao nomear as seletas de conteúdo romântico. Poemas de amor que servem, contudo, para uma bem humorada excursão pelos domínios do corpo e da alma da mulher, este ser que irritara os filósofos com seus “cabelos longos e idéias curtas”.

Deste modo singular, a presença do soneto na poesia universal só encontra ecos perenes na misteriosa incorporação dos segredos femininos, sugeridos ou antevistos por trás da magia, do fascínio e do encantamento que sublimam os tercetos de Dante, levam ao êxtase a Bossa Nova de Vinicius de Moraes e, aqui, nesta coletânea de sonetos, fazem vibrar as cordas da lira deste poeta da Academia Amazonense de Letras, do Chá do Armando, do Clube da Madrugada e das praias de Icaraí, em Fortaleza, Ceará.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Cambebas

 
 


 




Cambebas





Jorge Tufic


Desenha-se a maloca dos Cambebas (ou Omáguas) de modo a ser vista como se fosse da janelinha de uma aeronave que sobrevoasse as margens do Rio Amazonas (ou Solimões), isso numa recuada do tempo ao ano de 1707, quando a Amazônia ainda era vedada à curiosidade de estrangeiros, mas abriu-se exceção para Charles Marie de La Condamine, que neste exato período desceu o rio vindo de Quito, e para os naturalistas alemães Spix e Martius. Nesse ponto é Nunes Pereira que assume a janelinha do pássaro metálico, e esclarece: “Buscando-se, no mapa da Amazônia Brasileira, a área cultural atualmente habitada pelos Índios Tucuna, no quadrilátero Tabatinga-Esperança-Tocantins-Auati, logo nos ocorrerá um conceito remoto do geógrafo inglês G. E. Church, em sua obra sobre os aborígenes da América do Sul.”

A partir dessa abertura, deduz-se, ocorre, talvez, o previsível: “A escória derramada no Continente compunha-se de degradados, apedeutas, da ralé corrida das enxovias, de ambiciosos, de vagabundos sem eira nem beira, de gente de maus bofes” (MYM, “História da Cultura Amazonense”, Vol. I, pag. 33). Em seus primeiros passos nesses domínios da natureza selvagem, caberia, porém, a La Condamine o privilégio de ser alertado para um acontecimento no mínimo assustador e fantástico: um grupo de meninos cambebas se empenhava num jogo singular, ao chutarem, em todas as direções, um objeto cilíndrico que, inclusive, ao cair ao solo desafiava as leis da gravidade, voltando, aos pulos, a rolar sobre si mesmo ou ganhando altura, quando novamente chutado.

Compreende-se o espanto do cientista e sua comitiva ao terem descoberto um derivado da seringueira, o caucho, o qual, como não prestava para ser vendido, poderia ser usado em várias serventias, sobrando para o foot-ball, assim batizado pelos ingleses, cujo “direito” à invenção do futuro esporte das Copas do Mundo não passa daí. A Era dos Automóveis também saiu desse encontro histórico. Ou melhor, do começo de uma série de roubos e furtos internacionais das riquezas do nosso País, jamais avaliadas ou pensadas com a devida responsabilidade e conhecimento de causa. Da Amazônia, por exemplo, o que vai sobrar das catástrofes espontâneas fica mais para um deserto de areia, abandonado e estéril, do que mesmo para o que apregoam os caçadores de empréstimos milionários, em nome de projetos insanos ou apenas tardios. A Amazônia caminha em direção contrária ao sonho de Stefan Zweig. Ano após ano ela se extingue, procura aninhar-se na vastidão de um deserto de areia, mas onde estejam, codificadas, as novas sementes de árvores do látex.

Palavras (finais) de Betty J. Meggers sobre aqueles primórdios, como se pudesse, à distância de séculos, continuar seu passeio ao redor da inocente pelada dos meninos-omáguas: “A Amazônia formava um sistema ecológico perfeito, em que os diversos elementos da flora e da fauna se interpenetravam e se completavam, no equilíbrio necessário à sobrevivência de todos.”

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

BREVIDADES E A CHAVE DO LABIRINTO

Brevidades e a chave do labirinto

Jorge Tufic
 
 
       Embora aposentado das resenhas, e, por extensão, dos prefácios sobre livros que tivessem me dado essa força, quer pela temática, quer pela linguagem, Brevidades, do poeta Pedro Du Bois, traz-me agora de volta para esse pequeno extravasamento de apenas leitor, já que as outras virtudes do ofício carecem do lastro acadêmico para alcançar-lhe as profundezas que aí se cristalizam, numa síntese de quem fala para si, mas que essa fala para si pode, também, ser a fala do outro, numa interlocução que objetiva os “relatos” de cada poema. 
 
       Pode-se dizer, assim, que estes conjuntos lapidares são códigos de uma lírica que foge ao mesmismo de tantas outras brevidades e questionamentos acerca da música, da lucidez, dos gestos repetidos, dos imprevistos e do próprio silêncio, de onde se alçam os pássaros aflitos do ser e do nada. Recortes visuais da paisagem urbana, objetos cativos, o irreal no lugar do real, cadenciam as estrofes do poeta, enquanto seu “lúcido acordar” apanha o centeio e vela o sono equivalente a quilômetros e milímetros daquela chuva de que trata seu poema 11, “jogos que terminam empatados”, olhares e cenas imaginadas.  
 
      (Ousamos, aqui, eleger o de número 42 como referência de leitura para cada uma dessas unidades plumárias de celebração poética, ficando ele como guia alternativo para todo o texto.) 
 
      Assim, é de importância observar como o autor deste livro capta as situações e posturas mais diversas em que se vê, dando aos tranquilos ou abismáticos rituais de seu quotidiano admiráveis “estampas” da realidade em cada bloco ou fragmento, como se “cantos” fossem de uma bem elaborada saga individual, entre a “solidão do corpo” e a “sentinela do olvido”.
 
      Vê-se, então, com mais claridade à força de o ler, que o poeta Pedro Du Bois se estrutura, com a palavra alquímica, ao atingir os auges da metáfora espontânea, capaz desta e de outras metamorfoses que se completam no arremesso da seta que leva de parelha tudo quanto escorrega (e não volta), “o final reprisado ao avesso”, rei e vassalo. 
 
      Não é, pois, a meu ver, uma poesia que se expõe ao arreganho dos críticos, muito menos à inútil tentativa de analisá-la, como se faz a um texto comum, parecido com tantos outros. É poesia para ser lida e pensada, se possível tomando por exemplo o método do autor: “onde me valem horas de palavras”. No mais,  o sabor do que é novo, a alegria de saber que a palavra ainda é capaz de unir, em vez de separar. 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Tiara do verde amor



Tiara do verde amor


Jorge Tufic

 


Duas epígrafes, imagino agora, deveriam ter sido impressas nas páginas de entrada desta tríplice coroa de sonetos , Tiara do verde amor, de um dos melhores poetas brasileiros de todos os tempos, Max Carphentier, autor, inclusive, de um livro de contos e de um romance premiado pela SUFRAMA (Superintendências da Zona Franca de Manaus). Uma delas eu tirei da Cartilha da Amazônia (Livro do aluno, SEDUC/INPA, 1979) e traz a seguinte frase ou período simples: “A Amazônia vai até onde acaba a vegetação amazônica”. A outra é minha, e tem forma de trova:


                                                               Floresta é tudo o que encerra
                                                               fauna, flora, sol e ermo:

                                                               entre o verde e a moto-serra

                                                               não pode haver meio-termo.


Não se trata aqui, porém, de um livro técnico, embora se trate de livro que tenha, aliado ao poético e à difícil arte da espécie coroa, o interesse de infundir amor pela nossa Amazônia, última grandeza natural que testemunha o homem e o nascimento da poesia.

Como no tempo dos árcades, o autor festeja o advento da Amada, repleta de bons prenúncios. O verbo chega a marcar-lhe a presença, nem muito sutil nem muito ruidosa, pelo fato de já tê-la em si mesmo e no todo que ainda vai ser narrado e percorrido. Ela chega assim veículo e companheiro, musa e pão, tapete mágico e flor aquática. E ambos partem, depois desse introito, a tecer, nos ares perfumados e bosques atentos, sonetos que tecem sonetos, sonetos que tecem de verde o amor através do qual, o poeta e sua Amada, nutrindo-se da seiva agonizante que instaura a vida e protege os seres do planeta, tentam salvar a Amazônia do maior e mais longo enterro ecológico da História. A tiara, símbolo do poder místico, eleva-se do canto em ramos luminosos que se agitam de esperança.

Transferida para os mísseis de alcance continental, a intensidade poética em jogo através da terra e dos mitos da coroa intermediária, redobra em potência. A verde tiara do Amor, contudo, alando-se cada vez mais em descobertas e leves registros metafóricos, sem a cor alarmante das caixas de alta tensão, pretende colocar o bom senso, em vez do pânico; a vigília, em vez do ódio; a árvore, em vez do poste; a vida, em vez da morte; o verde em vez das queimadas.

Em verdade, poeta, só o Deus venerado pelos brancos, ou os deuses rubros da forja de Vulcano, podem salvar esse conjunto de matas e águas em absurdo que se juntaram no ecossistema da Amazônia, vista e sonhada por gregos e troianos, ianques e russos, pretos e amarelos, mas onde apenas alguns reconhecem a impossibilidade de um meio-termo que seja, entre o desenvolvimento colocado pelos homens de empresa e a necessidade de sua preservação, como parte que é de tantos outros sistemas, ainda hoje desconhecidos.