sexta-feira, 5 de julho de 2013

ODE À AMÉRICA DO SUL 4


ODE À AMÉRICA DO SUL

IV
Imitas um coração populoso e tranqüilo.
Tens a forma de harpa ou alaúde
com doze cordas festivas.
E ainda podes ser vista como um rosto enigmático
voltado para si mesmo.
Desigualdades e semelhanças predominam
assim, de um lado e de outro,
entre vales, planícies e altiplanos.
Em qualquer Atlas se lê, por exemplo,
que há fome na Bolívia,
que há tango, festas e greves na Argentina,
que o Chile exporta minérios e vinhos,
que o Brasil é o maior destes países,
que o Equador tem reservas de prata e ouro,
que o Peru não se expande,
que o Paraguai continua bloqueado
sem saídas para o mar.
Em teu próprio nome, oh América do Sul,
e em nome da história que te deram,
hás de entender, no entanto,
que ninguém pode ser feliz
quando está cercado pela miséria,
seja a miséria do egoísmo,
seja a miséria das guerras;
que ninguém pode ter paz
quando há golpes e matanças
do outro lado de suas fronteiras.
Hás de saber entrementes que,
por cima da fala dos caudilhos,
paira a linguagem fluida ou tormentosa
daqueles que te celebram;
inclusive daqueles que apodrecem em tuas mansardas
ou se debruçam nas torres de vidro;
ou daqueles, ainda, que se confundem
com os traços das telas que azedam em teus sótãos
e em tuas águas-furtadas.
Estes homens de letras ou picassos anônimos
entregues à corrosão que desfigura
e ao abandono que mata.




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