quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Folhas da Selva, haicais de Aníbal Beça

Folhas da Selva, haicais de Aníbal Beça



Jorge Tufic

                          

                      O autor deste livro, poeta Aníbal Beça, já lida com as fibras do haicai (viajando com Bashô) desde que a primeira folha desse curioso ideograma poético japonês consegue respirar o aguaceiro do inverno e sente, na forma do crisântemo, o zen da primavera.

                           Neste Folhas da Selva o haicaísta amazônico retesa ao máximo o arco de seu dia esponjado de lua, água, movimento e descoberta, até onde uma síntese verbal pode servir de exemplo à fixação de um sonho acordado, seja quando surpreende a resistência da flora ao calor insuportável das chamas, seja quando o aroma do café matinal se mistura ao domingo e sabe ao travo da baunilha.

                         Sutileza, respeito à tradição oriental, e sobretudo poesia, marcam a leitura desses textos que são, ao final, um só e bem estruturado poema, constituído de muitos outros do mesmo quilate, parecendo mais uma leve e  prolongada sinfonia, cujo tema central, a natureza, alterna com a bulha da cidade, o colóquio doméstico, o muro ácido dos gatos e o boi de piranha, entre armários e sapatos.

                      Dividido em partes condizentes com as várias fases de seu périplo em torno da magia floral encarnada nesses trísticos de origem nipônica, Folhas da Selva aproxima de nós o que só uma lente microscópica consegue fazer para transformar um simples pistilo silvestre numa galáxia de rosas. Na intensificação de vivências da infância e da província de seus amores, o poeta invoca, também, os mitos do folclore amazônico, a singeleza vencida pelos grandes edifícios plantados sobre bosques e sítios pitorescos, enfim, a nostalgia dos trilhos “riscando por ruas tortas – o bonde e a minha vida”.

                      Súmula aproximada, talvez, dos melhores haicais do Autor, esta obra nos dá, porém, a medida exata daquilo que é feito com amor e arte, conhecimento do ofício versus aplicação da palavra dentro do próprio motivo que a inspira; além de ser, daqui por diante, um breviário de consulta e alimentação para o verdadeiro modo de caminhar pelas sendas de oku.  Ali donde se ouvem os estalos da semente que leva à flor, ou da flor que leva à semente.  

                      Entretanto, o certo é que Aníbal Beça, dedicado cultor do haicai, procura reunir precisamente em formato de Livro (agora com L maiúsculo) o que seria a visão ou a ideia do poeta sobre esse tipo singular de composição ideográfica, antes de manejo coletivo, mas que sublinha a liberdade de cada um sob o paradigma de “achar” o melhor como um belo exercício que faz do homem uma árvore de palavras, gorjeios, tenuidades, vazios, saltos repentinos, ecos e ressonâncias.

                      O poeta, instalado frente ao computador, beneficiário da Internet, por mais que se esforce ele não troca o seu chão nativo pelos bisonhos fantasmas da virtualidade eletrônica, mas utiliza os recursos práticos da engenhoca moderna para tornar viável o sonho de permanecer incólume aos possíveis estragos do avanço científico.

                     Segundo Bashô: “Não durmas duas vezes no mesmo lugar; deseja sempre uma esteira que ainda não tenhas esquentado.” Ou como diz Aníbal:

                                                                                                     Pluma de pássaro
                                                                                            pousa suave no pátio –
                                                                                                     nasce um cabelo branco.

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