sábado, 31 de maio de 2014

SEMIÓTICA


SEMIÓTICA

Desenho um girassol,
e o mundo todo
compreende,
mas não aplaude.
Escrevo um girassol,
e o mundo todo aplaude,
mas não compreende.


terça-feira, 27 de maio de 2014

sábado, 24 de maio de 2014

SISTEMA



SISTEMA


O desenho de uma estrela
quantifca o papel
deslumbra o vazio.
A simplicidade
equaciona o absurdo.


domingo, 18 de maio de 2014

RETORNO AOS UMBIGOS

RETORNO



II

A chuva com sol, lá fora,
me faz recordar as pitangas vermelhas,
o barranco erodido
e o boi semanal para abate
às portas do domingo.
Cincoenta anos depois,
a cidade do meu tempo
só tem a mim latejando, estranho
diante das águas correntes,
do porto deserto,
com seus velhos batelões de palha vencida,
cheirando a tabaco.
Um dólmã de mescla, azulado,
veste a solidão dessas margens,
naufraga em meu sangue.


quarta-feira, 14 de maio de 2014

RETORNO AOS UMBIGOS


RETORNO AOS UMBIGOS

I
Do verde ao cinza,
do rio barrento ao ponto de ônibus,
dos campos que mugem
ao inferno que buzina,
das escamas do mandi
aos azulejos do Mercado,
as cidades são ciclos etários
e quarteirões hereditários.
Para cada quatro quarteirões
há um cemitério virtual.
Os descendentes de raça ou tamanco
sustentam os parágrafos da posse,
o sotaque das feiras
e o ronco dos ancestrais.
Em cem anos horizontais,
vão-se quatro ciclos de quatro linhagens,
ascendência, genealogia,
pequenas grandezas humanas,
taras e cercas divisórias.
Contíguo ao bosque da infância
revejo outro bosque, este de cruzes,
lajes rachadas e epitá?os
de mistura com tíbias de assassinos,
vítimas, parentes próximos,
anjinhos e cobradores desaparecidos.


sábado, 10 de maio de 2014

ROMANCE DO CASARÃO



III



Terá dormido o operário
cujos pés calcaram notas
de alguma valsa perdida?
E os persistentes fantasmas
que moram nas dobradiças,
quantas pragas não rogaram?
De tudo oca, no entanto,
a foto já esmaecida
de um rosto branco, insepulto.
Perfil de brumas, rosal
de sonhos que se andaram.
Mãos que ainda tocam nos fusos
e ossadas em dispersão;
estes soluços discretos
ouvidos por trás da queda
do perempto casarão.


quinta-feira, 8 de maio de 2014

QUANDO AS NOITES VOAVAM



Muitas dessas pedras se elevam
no país dos ingleses, assim como peixes
e uma cesta que imita, por baixo,
um perfil de mulher.

A savana da serra de Mairani
são braços, pernas e cabeça
de um ladrão de urucu.
Aí também se entreabrem umas nádegas de pedra.
Cachoeiras acima,

o movimento dos peixes adentra na rocha.
Uma pedra chamada Mutum
canta como este
quando alguém vai morrer.
Por um oco de salto,
vespas gigantes construíram suas casas
e zumbem na base mais profunda da serra.

Aqui fora, Makunaima dá os últimos retoques
nos bichos domésticos.
depois disso ele deita na terra molhada
e se deixa esvair em milhares de seres
que nadam para o rio.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

ROMANCE DO CASARÃO


II

Álbuns também de família,
rompendo os frisos de gesso,
trouxeram de tais abismos
retrato mais velho ainda
de uma senhora com a ?lha.
E agora, vejam: que susto
nos prega roçar com os dedos
a superfície de um rosto
que há tantos idos mergulha
no esquecimento e no pó.
Prende a emoção de tocá-lo
em busca, talvez, de um nome,
letras gravadas na pedra
de algum jazigo – mas onde?
Foram-se todos. Herdeiros,
cansados se revezaram
até os últimos da silva.
Tanto que a pá, no trabalho
da ingrata demolição,
junto às paredes vencidas
deitou por terra, inclusive,
a alma do casarão.


segunda-feira, 5 de maio de 2014

ROMANCE DO CASARÃO



ROMANCE DO CASARÃO


Da infância antiga, o retrato
se revela a cada toque
da luz certeira que o mata.
Vai se gastando sem ecos,
parado, mas nunca imóvel:
testemunhando, se ausenta.
Quem sabe não vive alhures
sob outros tetos servidos
por tantos outros retratos
que o tempo, a chuva, o selênio,
não pesam nem des?guram.
Nos olha, e, salvo das traças,
conta as lebres e os cavalos
de seus domínios e cercas
travando as patas do escuro.
Ninguém lhe sabe, contudo,
a que ramos pertecera,
se ramos ou se pereira,
se judeu novo ou barão.
Se sabe apenas que um dia,
brotara de uma gaveta


sexta-feira, 2 de maio de 2014

POEMA-CORAL DAS ABELHAS



POEMA-CORAL DAS ABELHAS


Que sabe da morte a criança
Que sabe do trigo o fogão
Que sabe da grama o domingo
Que sabe da febre o ferrão
Que sabe do artelho o sapato
Que sabe do brinde o cristal
Que sabe do vidro a madeira
Que sabe da torre o castelo
Que sabe da ?or o pardal
Que sabe do peixe a tarrafa
Que sabe da fome o torresmo
Que sabe da chuva o telhado
Que sabe do amor o estafermo
Que sabe do crime a aliança
Que sabe da noite o arvoredo
Que sabe da pedra a cascata
Que sabe da luta a esperança
Que sabe do mar o silêncio
Que sabe do ouro o mercúrio
Que sabe do rio a paisagem
Que sabe do jogo a miséria
Que sabe de Homero o tugúrio
Que sabe da ?auta o gorjeio
Que sabe da fonte a miragem
Que sabe da trova a saudade
Que sabe do monte o centeio
Que sabe da lira o lagarto
Que sabe da terra o centauro
Que sabe da viga o morcego
Que sabe da rês o cutelo
Que sabe do tétano o dartro
Que sabe da faca o segredo
Que sabe da prece o defunto
Que sabe do enterro a escritura
Que sabe do gelo a fornalha
Que sabe do queijo o presunto
Que sabe do verde a lingüiça
Que sabe do índio Aristóteles
Que sabe do canto a roseira
Que sabe do arado a preguiça
Que sabe do cais o destino
Que sabe de Orestes o escudo
Que sabe do mundo o carbono
Que sabe do teucro o romano
Que sabe da estátua o seu dono
Que sabe de nós o que é humano
  Abelhas tiramos o mel
donde a bosta lógica planta
 todo o racional desamor