sábado, 19 de setembro de 2015

UM SONETO AO SONETO




                   para Virgílio Maia

O sol dentro de um ovo: este milagre
tomou forma de barco. E já navega
desde Petrarca ao meu jeitão de brega,
mas encontra entre nós quem o consagre.
Neste garimpo, salivando o agre
desamor pelos campos, faca cega,
o construtor de andaimes não sossega
nem troca o vinho pelo bom vinagre.
Bocage empluma os dedos com suas glosas,
Jorge de Lima extrai-se do cansaço
que fizera de ti um caixão de rosas.
Mas és, soneto, ainda o velho laço
que embora preso a leis tão rigorosas,
a tudo nos obriga em curto espaço.

sábado, 12 de setembro de 2015

POEMAS





O cachimbo

Que me diz esta pausa da fumaça
em que pito o cachimbo e, reflexivo,
descubro a geometria do incativo
e momentâneo brilho do que passa?


Crepita o fumo que se despedaça
nas brancas espirais de um touro esquivo;
nesse tempo que flui, ainda que vivo,
nada retenho e tudo me embaraça.

Esta pausa, contudo, me alivia
da carga de viver. Inutilmente?
Talvez sim talvez não. É o que me guia.

Para onde, não sei. Grato à quimera,
vou sendo a nuvem que o pitar consente,
longe da solidão que me exaspera.

Recordações da varanda


Eu tive um lar, talvez uma varanda
com árvores de fogo nos telhados;
vinham de longe os pássaros cansados
pousar em minhas mãos de ouro e lavanda.

Se o tempo rola é Deus, é Deus quem manda
que outros pássaros cantem, que outros lados
dos beirais que se foram, constelados
retornem sempre, trôpegos, de banda.

Desde Sena a Manaus, desde que morro
sei dar-me à rua, numa perspectiva
de tábuas, jarros, lágrimas, socorro.

Varanda é o céo da infância e da poesia.
Mirante ao rés-do-chão, planta cativa
do amor à terra que se distancia.

Soneto à beringela


Vi-te semente, vi-te escurecida
pela terra ociosa antes do inverno:
nas mãos de minha mãe vi-te ferida
para o recheio branco, o arroz eterno.

De vinho tinto sempre travestida,
roubando à sombra o seu luzir interno,
vejo-te ainda pendurando a vida
dos quintais numa folha de caderno.

És a pasta do luar, o aroma assado,
e ao gergelim e ao alho, esse passado
me traz de volta os pêssegos e o mosto.

Vegetativa musa sobre a mesa,
sacias com este pão, dás a certeza
de que tens cheiro, lágrimas e rosto.

Ao cão preso

Late um cão neste verso, late late
preso à casa feliz que lhe dá abrigo.
Late no verso a dor do velho amigo
que a solidão, mais do que a fome, abate.

A casa também dói: tem abacate
no quintal deste urbano desabrigo,
tem árvores também de verde umbigo
com palmeiras, sabiás, broto escarlate.

A casa na qual late o cão da tarde
sobe noturna à lua incandescente,
enquanto late o cão, que Deus o guarde.

Emudece, afinal. Da dor que cala
fica dela um vazio inconsistente
do que, em vez de latir, soluça e fala.


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Aluga-se um velho
que já não serve para nada.
Garante-se, porém,
que ainda olha e vê.
E enquanto olha e vê
cachimba
os pedaços da noite.

SERINGAIS ETC

Seringais, lendas amazônicas e histórias das Mil e Uma Noites O tripé sempre foi inspiração para o poeta e jornalista Jorge Tufic, descendente de uma família de comerciantes libaneses que se instalou no Acre no começo da década de 1920. Geovana Pagel São Paulo – Poesia mesclada com as origens libanesas, lembranças da infância e das lendas amazônicas. O encontro de Jorge Tufic com a inspiração poética começou cedo, em Sena Madureira, Acre, com a chegada dos soldados da borracha. Naquele tempo ele tinha cinco anos de idade, e o ano era 1935. “Eu costumava ficar ouvindo as trovas, o ponteio das violas sertanejas, os repentes e histórias fantásticas daquele povo”, lembra o poeta e jornalista, que escreveu os primeiros versos aos 15 anos. Hoje, ao seu acervo poético somam-se 42 obras, entre poesias, contos, ensaios e sonetos. Ainda na infância, perdia-se na floresta, inventava palavras e deixava a imaginação voar alto. Mas, de repente, num livro escolar do primário, brotaram surpresas que despertaram a paixão do escritor pela poesia. “Tudo em Sena Madureira, aliás, como as serenatas boêmias despertavam nos meninos de minha idade um sentimento romântico muito mais forte do que a nossa capacidade de expressar alguma coisa”, conta. Descendente de uma tradicional família de comerciantes árabes, é filho do libanês Tufic Alaúzo, que mudou para o Brasil no começo da década de 1920 e desenvolveu suas atividades comerciais nos seringais. Por isso, a forte influência da língua, da cultura e da arte árabe de contar histórias. “A influência do árabe, falado em nosso cotidiano antes do português, marcou bastante. Junto a isso, convém lembrar as noitadas de música, ao som dos alaúdes, com vinhos Divulgação Álbum de família: Faride e Tufic Alaúzo, os pais do poeta, casaram em Manaus em 1923 Divulgação Jorge Tufi e o escritor Malba Tahan, um dos tradutores de As Mil e Uma Noites para o português finos, arak e um vasto serviço de comidas típicas do Líbano”, lembra. Segundo ele, a convivência fraterna reunia os habitantes do município e alguns brasileiros chegavam até a falar a língua dos imigrantes, estreitando ainda mais os laços de amizade. “Ainda hoje, quando menos espero, a emoção represada pelos fragmentos das Mil e uma Noites, liberados nas conversas daquela tribo, adquirem formatos de sonetos e poemas que vou entramando aqui e ali, nos textos que publico”, explica. Com o declínio da produção de borracha, no início da década de 1940, a família de Tufic mudou para Manaus, onde o autor realizou seus primeiros estudos. Exerceu, durante boa parte de sua vida, a atividade de jornalista. Com a aposentadoria, fixou-se em Fortaleza, no Ceará, passando a se dedicar exclusivamente à literatura. Sua estréia literária aconteceu em 1956, com a publicação de Varanda de Pássaros. O discurso poético de Jorge Tufic se desenrola por um lado, por forte conteúdo existencial. A outra margem do discurso poético de Tufic se fundamenta nas preocupações formais e no caráter experimental de seu processo de criação. “Minha produção literária é uma evidência de minha identificação com o universo regional, meu esforço em criar uma obra identificada com os mitos, anseios e esperanças do homem da Amazônia”, destaca. “Tudo quanto se deixa envolver pela solidão e pelo mistério motiva para mim a necessidade de fixar alguma coisa no papel. Nem sempre, contudo, as palavras traduzem poesia. No entanto, só o gesto de perseguir uma forma cheia de conteúdo poético me deixa satisfeito. Porque a matéria-prima do poeta é a palavra. E nem todas às vezes a poesia se deixa revelar por meio das palavras”, filosofa. Primeiras leituras As leituras essenciais de formação literária de Jorge Tufic foram feitas na Biblioteca Pública de Manaus. “Lá eu passei muitas tardes. Não havia ordem, é claro, nesse roteiro vespertino ao largo de alguns movimentos que ainda não haviam chegado ao Amazonas, como a Semana de Arte Moderna de São Paulo”, lembra. Entre os autores lidos na época estavam Bilac, Cruz e Souza, Guilherme de Almeida e Machado de Assis. “Após uma viagem pelo país, entre 1951 e 1953, o panorama mudaria trazendo-me todos os modernistas da primeira hora, inclusive os de 30, com Murilo Mendes, Jorge de Lima, entre vários”, conta. Trajetória Jorge Tufic nascido em Sena Madureira, no Estado do Acre, no dia 13 de agosto de 1930, iniciou sua educação em sua cidade de origem, transferindo-se posteriormente para Manaus, onde concluiu os estudos. Em 1976 recebeu o diploma “O poeta do Ano”, prêmio concedido pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, em reconhecimento à sua vasta e intensa atividade literária. Tem seu nome inserido em várias antologias, entre as quais destacam-se “A Nova Poesia Brasileira”, organizada em Portugal por Alberto da Costa e Silva, e “A novíssima Poesia Brasileira”, que Walmir Ayala lançou na Livraria São José, no Rio de Janeiro, em 1965. É sócio fundador da Academia Internacional Pré-Andina de Letras, com sede em Tabatinga, no Estado do Amazonas. Fez várias conferências literárias e é membro efetivo de algumas entidades culturais, tais como: Clube da Madrugada, Academia Amazonense de Letras, União Brasileira de Escritores (Seção do Amazonas) e Conselho Estadual de Cultura. Pertenceu à equipe da página artística do Clube da Madrugada, “O Jornal” e do “Jornal da Cultura”, da Fundação Cultura do Amazonas. Tufic também é o autor da letra do Hino do Amazonas. O poeta conquistou o primeiro lugar em concurso nacional promovido pelo governo do estado em 1980. Colaborou e ainda colabora com vários órgãos de imprensa como “A Crítica”, “Amazonas Cultural”, Suplemento Literário de Minas Gerais, Revista de Literatura Brasileira e “Diário do Nordeste”. Contato E-mail: jorgetufic@hotmail.com http://www.anba.com.br/ w

domingo, 6 de setembro de 2015

Guimarães e Tufic



Guimarães e Tufic 



O ilustre poeta e ensaísta Jorge Tufic, como membro do Clube da Madrugada, recepcionou e foi hostess do escritor Guimarães Rosa quando este esteve pela primeira e única vez em Manaus, em 15 de janeiro de 1967. É sobre esse encontro, ocorrido há 42 anos, que Tufic nos conta um pouco. 



Revista Literária – O que Guimarães Rosa veio fazer em Manaus naquele ano de 1967? 

Jorge Tufic: Guimarães Rosa esteve em Manaus de passagem para uma reunião diplomática, se não me engano, em Bogotá, na Colômbia. Questões lindeiras. 



RL – De quais atividades, culturais ou não, ele participou na cidade? 

JT: Não houve tempo para isso. GR nos dera a impressão de que estava querendo aproveitar os dois dias que passaria em Manaus, a) conhecendo o Clube da Madrugada e b) ultimando questões diplomáticas do Itamarati (ao mesmo tempo em que se empenhava em experimentar um suco de taperebá). Tentei ajudá-lo nesse último desejo, mas, lamentavelmente, ainda não era época da fruta. 



RL – A vinda do escritor famoso mexeu com a comunidade literária de Manaus? Cite nomes de quem participou da estada dele na cidade. 

JT: De fato, mexeu com a turma do Clube. O restante dos intelectuais e escritores da terra, visceralmente apegados à tradição acadêmica, ficara à distância. Tanto que não houve imprensa nem fotógrafo no jantar que lhe fora oferecido pelo Clube da Madrugada, ali na Peixaria do Balaio, ou do velho Francisco, ao lado fluvial da Igreja dos Educandos. O Clube em peso compareceu ao ágape: Aluisio Sampaio, Ernesto Pinho Filho, Afrânio Castro, Saul Benchimol, Francisco Batista, Sebastião Norões, Farias de Carvalho, todos, enfim, com algumas exceções. Vale informar que ele, o grande Guimarães Rosa, ficou na berlinda diante de seus mais aferrados leitores, como Ernesto Pinho e Aluisio Sampaio, dando respostas breves, contudo substanciais quanto às personagens realmente polêmicas de seus romances, a exemplo de Grande Sertão Veredas e Sagarana. Outro fato histórico nessa sua rápida passagem por Manaus: dali a uma semana o nosso ilustre visitante tomaria posse na Academia Brasileira de Letras. Logo a seguir, se “encantaria”. 



RL – Que impressões, em você, ficaram dele? 
JT: Impressões indefiníveis só comparáveis a um prêmio que eu tivesse recebido, ainda sem o merecer. GR era um ser todo afeto, carinho verbal, solicitude, companheirismo nas andanças por onde quer que o levássemos, talvez para demonstrar com isso a plenitude da criatura, antes do criador. Quanta saudade ainda hoje sinto dele, quase uma falta, apesar das poucas horas de nosso contato. 



João Guimarães Rosa, mais conhecido como Guimarães Rosa, nasceu em Cordisburgo, Minas Gerais, em 27 de junho de 1908. Foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos, bem como médico e diplomata. 

Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais. Tudo isso, somado a sua erudição, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas. 

O escritor morreu de infarto, dez meses depois de ter vindo a Manaus, em 19 de novembro de 1967, no Rio de Janeiro. 

Guimarães Rosa em Manaus 

Jorge Tufic, jorgetufic@hotmail.com 



Considero imperdoável a omissão de um fotógrafo no jantar, a céu aberto, que o Clube da Madrugada ofereceu ao romancista João Guimarães Rosa, em sua única visita a Manaus, ocorrida a 15 de janeiro de 1967. Vinha o escritor em missão diplomática, mas a primeira coisa lembrada por ele não foram os pontos turísticos nem os homens de letras. Foi um refresco de taperebá. Pronunciava o nome da fruta com a mesma ênfase, o mesmo carinho ácido, a mesma teimosia infantil com que dava ao buriti de seu lugar de nascimento o feitio acabado de uma personagem de suas novelas. Este episódio tipicamente roseano é aludido pelo ensaísta Ítalo Gurgel, no estudo admirável que publica sobre “João: Um Vaqueiro de Cartola”: “As alusões ao buriti tornam-se, às vezes, quase obsessivas, como neste trecho do conto “Cara-de-Bronze”: “... e água, e alegre relva arrozã, só nos transvales, cada qual, se refletem, orlantes, o cheiroso sassafrás, a buritirana espinhosa, e os buritis, os ramilhetes dos buritizais, os buritizais, os buritizais, os buritis bebentes”. E Carlos Drumond de Andrade, mineiro como o nosso ex-diplomata, indaga num poema dedicado ao conterrâneo: “Tinha pastos, buritis plantados/ no apartamento?/ no peito?”. 



(Trecho de uma crônica de Jorge Tufic, no seu livro “Tio José”, sobre a primeira e única vinda de Guimarães Rosa a Manaus, há 42 anos). 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

OUÇAM O HINO DO AMAZONAS - LETRA DE JORGE TUFIC E MÚSICA DE CLÁUDIO SANTORO

OUÇAM O HINO DO AMAZONAS - LETRA DE JORGE TUFIC E MÚSICA DE CLÁUDIO SANTORO click em:

https://www.facebook.com/Manausdeantigamente/videos/548911188505677/


Manaus de Antigamente carregou um novo vídeo: HINO DO AMAZONAS.
AMAZONAS DE BRAVOS QUE DOAM
SEM ORGULHO NEM FALSA NOBREZA ...



QUE SERÁ DE TI, AMAZÔNIA ?



QUE SERÁ DE TI, AMAZÔNIA ?


JorgeTufic





Que será de ti, Amazônia,
enquanto o homem que te desfruta
considerar-te perene, imortal
como se imagina um duende ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto se pensa no teu destino
sem nunca separar-te dos interesses
daquele que te golpeia,
te reduz e te maltrata ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto se teima em desconhecer
que teu reino se acaba
onde a tua imensa vegetação termina ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto os cegos herdeiros
do Lêmure implacável,
buscam fórmulas vazias
para explorar-te racionalmente,
quando se sabe que os fins econômicos
já são, por si mesmos,
irracionais ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto não forem avaliadas tuas perdas
e teu desgaste
em quatrocentos anos de falsa
prosperidade para o homem;
e de lenta ,
lentíssima agonia
para os sonhos e as riquezas
que te habitam ?



Que será de ti, Amazônia,
enquanto o índio que te protege
e guarda os teus mistérios,
continuar sendo reduzido
e transformado em caboclo ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto o revolvimento de teu solo,
à cata de minérios,
envenenar os teus rios ;
e as toras de madeira submersas
desabarem sobre ti
numa queda insalubre e frenética
de chuvas ácidas ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto o desmatamento e as queimadas
transferem para os teus ares o sezão
dos pântanos
e a temperatura dos infernos ?


Que será de ti, Amazônia,
quando tuas lendas não tiverem mais
onde pousar; e a doce flauta
do uirapuru
quebrar-se numa profunda elegia
sobre os rios que minguam
e os areais que avançam ?


Que será de ti, Amazônia,
última página do Gênesis,
quando os seres que fazem a tua escrita
enigmática,
mergulharem na usura
que te rebaixa
aos olhos do mundo ?



Que será de ti, Amazônia,
se continuas espoliada e sujeita
ao voto
que elege os teus algozes ?


Que será de ti, Amazônia,
cujo tamanho incomoda pela ausência
de amor,
e cuja perda nem mesmo um rio
de lágrimas
há-de chorar-te com justiça ?


Que será de ti, Amazônia,
navegável piscosa hidra mesopotâmica
resistência dos fracos
buzina dos ermos
igaçaba de fogos-fátuos
agora que teus peixes,
de há muito impedidos de crescer
e desovar corretamente
já não saciam a fome dos que
nada fizeram
para ver o futuro ?


Que será de ti, Amazônia,
grandeza física que,
no entanto,
pode caber dentro de um ninho qualquer,
desde que ele tenha a leveza
de tuas palhas
e a úmida ternura
dos ventos que te embalam ?


Que será de ti, Amazônia,
enquanto as crianças do globo
não souberem te amar em plenitude,
ou seja,
do bicho mais rasteiro
às frondes mais altas de teus bosques
e teus igapós ?
Que será de ti, Amazônia,
se as fronteiras que te abraçam
numa ciranda geográfica de isolamento
e fraternidade,
não aprenderem também a sentir
o pulsar de teus mares sepultos
e a beber, em tuas águas,
a música das sombras ?


Que será de ti, Amazônia,
paraíso da natividade cósmica
porto de lenha
sertão de especiarias
inferno verde
berço do progresso
refúgio de degredados


sorvedouro de talentos
remate dos vencedores,
quando és, praticamente,
a última baliza do verde
com as terras-do-sem-fim ?


Que será de ti, Amazônia,
esfinge dos néscios
apetite dos glutões
motivo de inspiração e de escárnio
natureza morta
peixe colorido de estrelas importadas
autofagia mítica
cipoal de batalhas demiúrgicas
aleijão vegetativo
sementeira de astronaves,
agora que meia dúzia de sábios
te colocam no banco dos réus
e te julgam
em nome da ecologia ?


Que será de ti, Amazônia,
quando a própria ecologia,
no sentido global e verdadeiro,
deve partir da humanização urbana ?
Não é fácil acreditar nas palavras
de quem se declara a favor
da Natureza
se cultiva a poluição
e contribui para a miséria.


Que será de ti, Amazônia ?
Os tucanos pedem socorro.
Ao fugirem das queimadas,
eles invadem as cidades em busca
de comida. Primeiro foi o homem
das margens e terras firmes
que se evadiu para sempre.
Agora são as aves de tuas matas
que se desfazem na escuridão.


Os nichos sagrados estão em chamas.
Teu coração também se revolta
e sangra, Amazônia.
Fetos de carbono
imitam pajés enforcados
nas enviras do luar.


AGENDÁRIO DE SOMBRAS (completo)

CLICK EM:

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