sábado, 28 de novembro de 2015

POSSÍVEL FRAGMENTO DE ABUL-ATAHIA




POSSÍVEL FRAGMENTO DE ABUL-ATAHIA

Secos provérbios, distração noturna
à luz de chaves mortas, quanta asneira
move as palavras que não têm peneira
para reter o entulho que repugna.
Que olhos canhestros revistando a furna
da existência banal sequer a poeira
da mais restrita fábula caseira
sabem ver nos pedaços de uma urna?
Textos e sombras ardem neste alpendre
no qual, se dorme o corpo, a alma se vende
e o que foi há-de ser quando será.
Ó provérbios sem nome, quanto adorno,
quanto arabesco nesse vão retorno
do pensamento ao mesmo que virá.

sábado, 21 de novembro de 2015

FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS





Lucilene Gomes Lima


FICÇÒES DO CICLO DA BORRACHA NO AMAZONAS
Estudo comparativo dos romances A selva, Beiradão e O amante das amazonas

http://ociclodaborracha.blogspot.com.br/

O ficcionista e ensaísta Jorge Tufic, ao fazer um levantamento da produção ficcional sobre o “ciclo da borracha”, declara que A selva e La voragine, obra do romancista José Eustásio Rivera, encerrariam essa produção e destaca que as obras do ciclo não atingiram “um vago contorno geral da realidade em causa”.[151] Há, na avaliação do autor primeiramente, uma falha ao não considerar um veio de produção que continuou aberto para a temática do ciclo e, em segundo lugar, um juízo precoce sobre o grau de aprofundamento das obras.

            Ao destacarmos A selva como um romance que, seguindo a linha da abordagem histórica do ciclo, propicia uma compreensão abrangente do tema, não desconsideramos que em outros romances, como, por exemplo, Coronel de barranco, ocorra também uma construção ficcional contundente. O tratamento dado à obra em relação ao ciclo recebe o mesmo detalhamento didático de A selva. A selva e  Coronel de barranco são, por isso, dois romances em que a realidade em causa – “o ciclo da borracha” – é tratada com aprofundamento. Entretanto, a obra de Ferreira de Castro apresenta um diferencial em relação à de Araújo Lima que nos levou a elegê-la como recorte para esse estudo. Seu protagonista é partícipe e analista no mundo do seringal, enquanto Matias, de Coronel de barranco, é basicamente analista. O fato de ser Alberto um protagonista que vive as próprias situações que analisa confere densidade à narrativa através do embate que se cria entre sua consciência e o sistema com o qual se depara.

Tufic também observa que o romance La voragine diverge de A selva por possuir um caráter de libelo ou revolta enquanto o último somente relataria os dramas vividos no seringal. Embora não possa se assemelhar a um libelo, a abordagem do romance A selva denuncia a extorsão e a escravidão num seringal amazônico e seu desfecho propõe uma destruição desse sistema injusto, determinando também um sentido de revolta. Revolta que não é arquitetada nem praticada por seringueiros indignados. O fato de essa revolta ser praticada por uma personagem negra demonstra que a visão de mundo do autor, expressa pelas suas palavras de que em seu espírito sobrepõe-se “[...]‘uma causa mais forte, uma razão maior: a da humanidade’ ”[152], não tem como objetivo pôr em evidência apenas uma forma de injustiça. O negro Tiago, despojo de outro processo de espoliação é, por isso, o escolhido para pôr fim ao local que representa a injustiça (o barracão) e o elemento humano que a executa (o seringalista). Suas palavras de justificativa do ato que pratica surtem o efeito de uma sentença: “O homem é livre.”[153] A destruição não é eficiente, uma vez que o seringalista é apenas um elo, e inclusive o não mais poderoso, da grande cadeia de espoliação montada em vista da extração do látex, mas é a destruição que o romancista elege como possível no contexto em que se desenvolve o romance.
            Apesar de possuir características em consonância com o romance neo-realista português o qual recebe influência da ficção sócio-realista brasileira dos anos 30[154], A selva apresenta os pontos básicos do que Alfredo Bosi considera um romance de tensão crítica em oposição a um romance de tensão mínima, mais em acorde com a prosa neo-realista. Segundo o autor, o romance de tensão crítica alcança “uma verdade histórica muito mais profunda”, não se restringindo apenas a enfocar a cor local ou datar os fatos.[155]
            É, pois, A selva um romance que não se limita à perspectiva de enfocar fatos isolados característicos do ciclo e que procura concentrá-los e organizá-los sistematizando-os. Abrangendo tanto o centro quanto a margem, a narrativa demonstra o nexo causal entre eles. Não aleatoriamente, Alberto vive antes a experiência do centro e depois a da margem. Quando vem a se instalar na margem, já não é mais possível considerá-la sem a outra experiência. A manipulação do contas-correntes do seringal o põe a par de uma verdade que suspeitara ao receber a nota de seu aviamento e compará-la com a dos outros seringueiros no tempo em que ainda era um brabo como eles. As faturas lançadas evidenciam que os débitos dos seringueiros e o conseqüente crédito para Juca Tristão resultam de uma cobrança extorsiva do preço da mercadoria aviada e de um pagamento ínfimo pela produção da borracha, depois vendida a um alto preço. Paralelamente, toma conhecimento de que o trabalho não pago dos seringueiros proporciona as altas despesas do seringalista.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

SHERRARAZADE (XVI)


JORGE TUFIC - AGENDARIO DE SOMBRAS


SHERRARAZADE (XVI)

Algo me diz que estive nessa estória
tão dos arcos da velha que imagino
haver sentido o corpo de um menino
a rolar pelos becos da memória.
Estive com os Derwiches? conta a glória
minha mãe, do famoso peregrino
que adentrou nossa casa e tinha um sino
pendente ao manto de sua trajetória.
Fala mais sobre o peixe luminoso
que tinha joias na barriga e duas
perlas no olhar cativo e desdenhoso.
Repita os contos de Sherrarazade,
dá-me outra vez as mil e uma luas
feitas para dormir e ter saudade.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

SONETO AO NARGUILÉ


JORGE TUFIC - AGENDARIO DE SOMBRAS


SONETO AO NARGUILÉ

Pitaram de seu tâmbak minha avó,
meus tios e meus pais; não sei das vezes
que o vi reunir a tribo de imigrantes
numa casa da rua dos Andradas.
Esse cachimbo agora vive só,
longe das alegrias e revezes,
da fumaça e das brasas crepitantes,
da vida com seu tudo e com seus nadas.
Em guarda, com seus ouros e sua torre,
desenhos sobre o vidro transparente,
que fim levara o traste, a pobre herança?
De água e perfume o tempo já não corre.
Mas ainda o vejo, em meio a tanta gente,
fugaz, como um sorriso de criança.