sábado, 28 de julho de 2012

MIRZE ALBUQUERQUE COMENTA "FIOS DE LUZ"

MIRZE ALBUQUERQUE COMENTA "FIOS DE LUZ"

Não posso deixar de comentar minha emoção ao término da leitura do poema e de sua análise, Rogel!

O poema deve ter sido escrito com alguma artéria do coração que se fez pena para que ele convertesse um soneto tão próximo ao amor que se diz ser sentido pelo coração. Chorei muito, e nunca li nada tão emocionante que fluía a cada verso como se fosse música. A recordação da viagem, no XII , lembranças que em minha mente se misturaram a uma viagem que fazia sua mãe, para depois (?) talvez ter um novo encontro. O Líbano e toda refeição descrita com tanto carinho que hortelãzinhas podiam ser sentidas no olfato e na alegria dos encontros às refeições.

FIQUEI EXTASIADA!

Complemento com a maravilhosa análise feita por você, com tanta sabedoria, revelando um professor, um mestre na literatura..

Parabéns, amigo. Você é GRANDE!

Beijos

quarta-feira, 25 de julho de 2012

AGENDA 1965



09/julho

Jantar na casa do Moacir Andrade, com Thiago, Elson (que regressa de Belém do Pará) e muitos outros da tribo. Amanhã a palestra do Arnaldo Rebello sobre Ernesto Nazareth, no Clube da Madrugada.

12/julho

Segue problemática a mudança de meus pais, estando ainda numa casa que não é nossa, dispensada do pagamento de aluguel, mas prestes a desabar sobre eles. Solidário, contudo, eu não os deixo, sempre a seu lado. Fico entre a cruz e a espada, entre a razão e o coração, entre as razões do sentimento e a realidade que oprime, arrasa com a gente.

13/julho

Montes, e a paz que há neles. Leio Fernando Pessoa. Se, depois de morrer, quiserem escrever minha biografia, não há nada mais simples, tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte. Estes versos me conduzem à cama, pacificado e bom. Eurekiso neles a verdade mais simples do mundo, o epitáfio de todos os homens, grandes e pequenos.
14/julho

Agora é a Sonifen, recomendada pelo Urbano, do Hospital Colônia Eduardo Ribeiro, a injeção mais indicada para a transferência da nossa Faride. Minhas tias, porém, são contra a medida, dão cobertura à irmã e eu fico para trás a morrer de vergonha por ser o único da família a saber dos fatos, achando-me na contingência de negociar com as autoridades sobre o melhor caminho a seguir.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

“FIOS DE LUZ: AROMAS VIVOS”: a voz da saudade


 “FIOS DE LUZ: AROMAS VIVOS”: a voz da saudade

por Tânia Du Bois

            Fios de luz, aromas vivos: leitura de Retrato de Mãe, soneto de Jorge Tufic, por Rogel Samuel: “Venham os fios de luz para tecê-la, aromas vivos para senti-la, às palavras do filho descrevê-la, proferi-la” (Rogel Samuel).
            Não conheço Jorge Tufic pessoalmente, e sim através de suas obras literárias: adoro! Penso que o Poeta merece uma homenagem especial, e o escritor Rogel Samuel dá essa atenção através de reflexões literárias em 15 sonetos de Tufic.
             Samuel ressalta o caráter literário da obra com olhar sobre o poeta. Revela o poder de quem interpreta costurando palavras e dando o significado à estrutura maternal dos sonetos, e declara que “o mundo poético e o mundo da realidade colidem, possuindo cada qual a sua própria verdade”.
            Fios de luz, aromas vivos – são sonetos que Jorge Tufic, inspirado na realidade, reconhece como expressão das lembranças. Segundo Samuel, “... acaba por ser mais real do que a própria realidade.” A voz de Tufic reflete a sua própria imagem, onde faz um testemunho do Retrato de Mãe. Em jogo de palavras, proclama histórias que espelham a sua relação com a sua mãe, como se fosse ontem e vivesse o amanhã. Cria significado através do tempo e das lembranças que sinalizam a sua ausência, buscando dar sentido à sua vida. “Que restara de ti, dos teus pertences? //... Tudo posto num saco humilde e roto. / Eu quis, então, medir esse legado, / mas limites não vi para a tristeza. / Davas a sensação de que o tesouro / se enterrara contigo. //... Que eternidade / pode igualar-se à voz desta saudade?”
            Através da imagem poética, mostra o seu eu versus mãe, ao alcançar a infinitude do tempo: sua intimidade desvela os mistérios da dor da ausência. Nesse horizonte, o poeta compreende, interpreta e projeta o sentido da herança da Grande Mãe que se perde com a morte.
            Fios de luz, aromas vivos revela a parceria de mãe e filho, onde apenas o amor é o único segredo. E a memória do poeta reconstrói os bons momentos sem se perder no tempo. “Nossa infância era tudo iluminada / pelas fontes da tua juventude. //... Ainda te vejo, o porte esbelto indo / por aqueles baldios transparentes / onde a luz, de tão verde, pincelando / os ermos...”
            Mesmo com a saudade presente, Jorge Tufic, em seus sonetos, volta ao seio materno para registrar a importância e a resistência da lembrança (viva) em sua vida. Ao escrever Retrato de Mãe, não teve medo de mostrar a outra face, o lado filho.
            O encontro entre lembranças e saudades, filho e mãe, deu a oportunidade ao escritor Rogel Samuel de fazer a análise detalhada da obra, mostrando o Poeta Jorge Tufic com o dom do mistério menor e mais emoção, revelando, mais uma vez, o seu talento literário.

terça-feira, 17 de julho de 2012

QUANDO AS NOITES VOAVAM




Pinlun

Pinlun perguntou à filha

o que era que seu genro comia.
respondeu ela que comia a eles mesmos, os peixes.

Meio triste, o pai lhe disse, então,
que tinha um velho criado, Maku,
e iria matá-lo para o genro comer.


Gaim pañan aceitou a oferta do sogro.
ele assou e comeu o velho Maku fora da maloca.


Pinlun ficou muito desgostoso
por ter perdido o criado
que lhe preparava o ipadu.

sábado, 14 de julho de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA


SONETO PARA GOETHE

O olhar de Goethe envolto pela história,
deslumbrado em saber-se parte dela:
Goethe na Itália como pôde vê-la
nos mármores pesados de sua glória.

O olhar de Goethe fixa a trajetória
dos tempos que se fundem; e a seqüela
das mudanças fatais  abre a janela
sobre a praça dos deuses e da escória.

Deambula este sábio que à paisagem
da antiguidade empresta a doce imagem
de um sonhador que pensa, enquanto voa.

Faz-lhe bem penetrar nos ventos mornos,
dar ao silêncio músicas e cornos,
que, mesmo em pedra, o velho Pan ressoa.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

AGENDA 1965,






06/julho

Uma noite bem nossa de franca boemia, com Thiago de Mello, Moacir Andrade e Luiz Bacellar. Poesia e bate-papo livre, podendo repetir as doses. Metade da madrugada, uma surpresa: Thiago enfia um envelope em meu bolso, para ser aberto quando eu estivesse a sós ou em casa. Já chegando à rua de meus pesadelos, me lembro do invólucro e, com redobrada surpresa ou espanto, me deparo com notas que somam 20 mil cruzeiros. Longe de presumir o que fosse no instante de sua entrega, e sendo tarde para recusá-los, acabei por aceitar a generosa oferta do querido amigo. Alguém lhe teria falado das borrascas que atravesso.

07/julho

Almoço no Restaurante Siroco em homenagem ao pianista Arnaldo Rebelo, com a presença do famoso ¨Coral João Gomes Junior¨. Entre nós Blanca Bouças que cantou um trecho de seu repertório. Cleomar também marcou presença interpretando ¨Menina de olhos verdes¨, poema de nossa estréia com ¨Varanda de Pássaros¨, já gravado em compacto duplo pelo Coral do maestro Nivaldo Santiago. À noite, peixada na casa do Farias com Thiago presente. Memorável. Acabei pagando o empréstimo ao BLMG.

08/julho

Compus a letra ¨Nas águas do igarapé¨ para o Arnaldo Rebelo.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Discurso pronunciado por Jorge Tufic, ao receber o título de Cidadão do Amazonas

Discurso pronunciado por Jorge Tufic, ao receber o título de Cidadão do Amazonas

Meus primeiros agradecimentos desta honrosa investidura, que sejam para os generosos confrades da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas , constituída por Gaitano Antonaccio, Urias Freitas, Orígenes Martins, José Coelho Maciel, Manoel Bessa Filho, Bernardo Cabral (Honorário), Francisco Ritta Bernardino, Eliana Mendonça de Souza, Eurípedes Lins, dentre outros, tendo à frente o primeiro da lista, cuja demanda, hoje vitoriosa ao me ser conferido o título de Cidadão do Amazonas, foi trazida a esta Assembléia Legislativa pelas mãos do Deputado Sinésio Campos, o qual, por sua vez, encontrara aqui o desejado apoio e a unanimidade que tanto me engrandece.
Gostaria, também, de consignar palavras de gratidão a todos quantos votaram a favor desse projeto, de tal forma que quando chegara ao Poder Executivo, o Senhor Governador Eduardo Braga, segundo me informaram, não hesitou em sancioná-lo e dar-lhe a textura definitiva da Lei de número 3.447, de 21 de outubro de 2009, publicada no DO do Estado de número 31.698. Obrigado, pois, a Sua Excelência o Governador do Estado do Amazonas, com quem estive recentemente na festa de reinauguração da Academia Amazonense de Letras e a quem já não via há mais de dezessete anos.
Dirigindo-me agora ao povo do Amazonas, que ele me indulte pela mudança apenas de endereço, mais do que de praia ou de naturalidade, posto que fui obrigado a fazê-lo motivado por fatores diversos, a começar pelo nosso clima e os problemas de saúde. Mas ficara em Manaus uma parte considerável da família, a exemplo do filho, sobrinhos e sobrinhas, primos e primas, netos e bisnetas, vários dessa tribo numerosa exercendo cargos no serviço público e empresas particulares. Raízes fenícias do coração brasileiro.

2- UM RESUMO DE MEUS NOVOS INÍCIOS LONGE DO AMAZONAS


Já em Fortaleza, tão logo me acomodara com a família, não antes de mourejar nas periferias da urbe em crescimento, fui convidado para a solenidade festiva dos cem anos da Academia Cearense de Letras, encontrando ali velhos e novos conhecidos, com destaque para Ciro Gomes, então Governador do Estado e uma semana depois, Ministro da Fazenda, Rachel de Queiroz, Caio Porfírio Carneiro, Josué Montello, José Helder de Souza, além de inúmeros escritores e poetas oriundos dos demais estados nordestinos. No dia seguinte era sábado e fui chamado, por telefone, a tomar parte de uma reunião do grupo formado por Luciano e Virgílio Maia, Carlos Augusto Viana, José Telles, Pedro Henrique Saraiva Leão, Carlos Emílio Correia Lima, entre vários outros da equipe encarregada de publicar um famoso tablóide de literatura e arte, denominado ¨O Pão¨. Juntei-me a eles e a partir desse momento os principais jornais do Ceará começam a receber colaborações minhas, do soneto à crônica, da crônica ao ensaio, do ensaio à resenha de livros.
Vendo isso, Gaitano Antonaccio, apoiado pela sua Academia, me concede o título de Embaixador da Cultura Amazônica para todo o nordeste brasileiro. Numa sequência inusitada, recebo o diploma de Mérito Cultural da Academia Cearense de Letras, sou eleito e recebido pela Academia Acreana de Letras, em solenidade realizada no auditório da Assembléia Legislativa do Estado, com a presença do Governador Jorge Viana. Em 1999 conquisto o primeiro lugar do Prêmio Nordeste de Poesia, realizado em Pernambuco, com meu livro ¨A Insônia dos Grilos¨; ganho também em primeiro lugar o Prêmio Nacional de Ensaio, concurso promovido pela Academia Mineira de Letras, em 2003, com meu livro intitulado ¨Arte Poética¨, bem como os prêmios de poesia em concursos realizados pelo Ideal Clube de Fortaleza, nos anos 2004 e 2006. Sou membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste, da Academia do Sonho, do Clube do Bode... Mercê do diálogo fraterno, tem-me sido fácil a convivência, o afeto, a solidariedade humana. Onde quer que esteja.

Senhoras e senhores:

Na verdade, minha ausência física de Manaus, antes das razões expostas, terá sido uma conseqüência natural de quem vai se dando conta da tragédia biológica que se arrastava, já, desde os anos setenta, com a morte, prematura ou não, de tantos companheiros do Clube da Madrugada e confrades da Academia Amazonense de Letras: o vazio que ficava em nós, a solidão crescente de nossos dias maduros. Some-se a isto um tipo de sucateamento de nossos valores ainda na plenitude de sua força criadora, uma espécie de ostracismo gratuito à vista de cargos passageiros e remunerações pífias. Quanto a mim, eu não precisei do Estado do Amazonas para me aposentar, embora tenha sido funcionário da CERA (Comissão de Estradas de Rodagem), Fundação Cultural do Amazonas e Conselho Estadual de Cultura. Como Jornalista Profissional, renunciei, do mesmo modo, aos direitos que me assistiam diante das controvérsias acerca da ética e do bom senso. Por outro lado, conquistei, sim, prêmios vultosos em Concursos de extensão nacional, dentre estes o que foi instituído para escolha da letra do Hino do Amazonas.
Em 1990, fui convidado a disputar as eleições para o Senado Federal, uma única vaga. A chapa de então, pela ordem: Amazonino Mendes, Jorge Tufic, Jefferson Péres e Marlene, do PT. Amazonino venceu. Palmas pra ele. Dessa aventura restaram dezenas de artigos estampados nos quatro jornais de Manaus, e, à guisa de manifesto, cinco ou seis itens de programa em defesa do Estado, inclusive o intuito que me animava em propor a extinção do próprio Senado, uma réplica tupiniquim dos EE.UU da América do Norte.

3- QUE SOU EU,AFINAL, SENÃO ESTE UMBIGO DA TERRA?


A gente faz o que pode. No ciclo amazônico de minha poesia, sobressai o livro que intitulo de ¨Quando as noites voavam¨, uma súmula que pulsa em minha vida sem quando nem onde, uma sorte de estalo a que dei o máximo para atingir o mínimo, a calcular pelas dimensões do projeto sonhado ao longo desses últimos quinze anos,quando o mesmo aparece
com o nome de ¨Boléka, a onça invisível do universo¨, e, em segunda edição( ¨Quando as noites voavam¨), acrescido de mais três livros; e agora, outra vez aumentado, compõe-se de uma quarta parte sob o título de ¨Contam Contam¨. É o presente que tenho para ofertar ao povo amazonense. Trata-se da vivência interiorana, homenagem aos primeiros índios que conheci em minha infância, empregados de meu pai. Ao me encontrar perdido nas matas, lembrei-me de sua ¨cartilha¨, seguindo as margens dos igarapés, já sabendo escolher as árvores para me abrigar, orientado pelos raios do sol e o primeiro cheiro de fumaça, cuja origem, um tapiri de carvoeiro, salvou-me das onças, da fome e do frio.
Com estas lições eu pude chegar, anos em marcha, ao planalto de onde os antigos vedas sondavam o passado e previam o futuro. Mas este, senhoras e senhores, só a Deus pertence.
Muito obrigado.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

QUANDO AS NOITES VOAVAM



A origem da noite

A noite era um fantasma que se repartia
entre a luz e a escuridão.


Um lado desse fantasma era escuro e feio.
o outro lado era claro e bonito.


nãmi, era como se chamava o dono da noite.


os grilos teciam as folhagens do sono,
enquanto o pássaro japu tratava de afastar,
com seu bico,
as cortinas da madrugada.


Antes de dar a noite a seus netos,
nãmi comeu ipadu e fumou olé-o (cigarro).


o resto dessa estória ninguém sabe,
porque uma parte dela ficou com a Gente da noite
e a outra parte ficou com a Gente do dia.6
Gente da noite e Gente do dia: Tukano e dessana.

sábado, 7 de julho de 2012

AGENDA 1965



28/junho

Agrava-se o quadro patológico de minha mãe. Como se sabe, o vizinho parede-com-parede adquiriu por compra a casa habitada pelos velhos desde 1947, e onde nós, seus filhos, passamos grande parte de nossa existência. O proprietário Dr. George Jacob é o atual Chefe de Polícia do Estado do Amazonas. Amanhã vou ter com ele para acertar os ponteiros, ver como fica. Tal drama de nossa história comum, deve ser esquecido. Foi muito difícil, horrível mesmo.

30/junho

Feriado religioso. Em silêncio rumino as circunstâncias em que me acho frente à tarefa de ¨comandar¨ a internação de minha mãe, entre outras providências. Não confio o bastante na ¨Amplictil¨. Em 1962, quando também ela fora internada, removeu-se da lousa a suposição de que o problema logo estaria resolvido.

01/julho

Todo um aparato diante da casa de meus pais: ambulância, jeep do Chefe da Polícia. Haydé com a seringa pronta para a injeção, que não chega a fazer efeito. A desconfiança da ¨velha¨ foi mais forte que tudo. Ela resiste, vence pelo cansaço, adiando o plano de ser removida de sua casa para um outro dia. O estranho é que a própria casa, a desgastada estrutura do princípio do século ou antes, resiste com ela. Quanto a mim, nunca mais estarei presente a uma cena como essa de hoje, de resto inevitável por qualquer ângulo da história.

03/04/julho

Após cerca de dez anos, volto a abraçar meu grande amigo e poeta Thiago de Mello. A presença de Thiago no Clube da Madrugada revigora nosso ânimo de lutar pelos legítimos direitos assegurados na Constituição Brasileira, em nome da liberdade de pensamento. Aos 39 anos, com uma banda saliente dos cabelos grisalhos, rever o poeta dos ¨Estatutos do Homem¨ foi para todos os seus velhos companheiros, um verdadeiro toque de alvorada.

05/julho

Os Amigos de Dona Faride, como se intitulam, farão hoje uma nova tentativa no sentido de retirá-la do imóvel, este já oferecendo perigo de desabamento parcial. Por mim, continuo adiando a ação dos amigos.- Banco Comercial do Pará: êxito no empréstimo de 400.000,000 (acredito que o último de uma série de papagaios).- Almocei com o Thiago de Mello na residência de seu cunhado Nathanael Rodrigues, no bairro de Cachoeirinha. Cozinha regional completa e boa.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Voz Ceará, de Stella Leonardos


Voz Ceará, de Stella Leonardos

Jorge Tufic

            A seleção de “fragmentos” que dinamizam a rapsódia, se funda também nos princípios da Legenda e da Saga, a primeira incorporando a clássica “Legenda Sanctorum” ou “Legenda Aurea” (coisas a dizer, vida dos santos: legere = reunir, escolher), e a segunda como “relato, narrativa referente ao passado e, mais particularmente, ao passado remoto, tal como se transmite de geração em geração” (Jolles, André, in  “Formas Simples”, Cultrix, 1976). Dentre as várias experiências narrativas de Mário de Andrade, insere-se “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, publicado em 1928, chamado, às vezes, de “idílio”, outras, de “rapsódia”, que assinala, segundo Massaud Moisés, “o caráter miscelânico da obra, ou sua indeterminação no painel dos gêneros literários”. 

            Neste “Voz Ceará”, a que a autora, Stella Leonardos, também denomina de rapsódia, nos surpreende descobrir como esta “voz” arrecada uma extensão bastante considerável de história, lendas, costumes, mistérios, fauna e flora, além de abraçar, com o tépido encantamento de seus versos, uma área igualmente consagrada de nomes da poesia cearense contemporânea, a exemplo de Virgílio e Luciano Maia, Artur Eduardo Benevides, Francisco Carvalho, folcloristas da cepa de Florival Serraine e cantadores da fama de João de Cristo Rei, João Lucas Evangelista e José de Matos. 

            Muito mais do que isso, ela conta, qual fosse um passarinho ágil e noturno, o que vê e o que tantos não viram ou deixaram de ver, mas de que ouviram certamente falar sobre estes inúmeros cearás que atravessam suas páginas, fazendo-nos deter, aqui e ali, ante passagens deveras exemplares da forma e do modo áspero desse imenso nordeste brasileiro, versátil e contraditório. Tecendo à vontade, sabendo que dispõe, para o feito em lavra, da matéria insone dos fatos consumados e do eloquente testemunho dos barcos e da paisagem, Stella empresta a cada traço verbal a leveza dos “elles” em que seu nome fulgura. Ela tem os olhos colados nas proas das jangadas, que por sua vez a olham, familiares, e transmitem, através de suas metáforas, a odisseia regional das “três raças-mamães brasileiras”. 

            Raramente um poeta, como ela, soubera harmonizar os elementos singulares da fala corrente, espontânea e carregada de significados, com uma linguagem tão fluida e tão bela, onde os espaços entre as frases constroem, alternado ao espaço gráfico propriamente dito, aquele sopro visível da poesia enlaçada à palavra mágica, inseparável do mito. 

            Começar a leitura desta rapsódia nos parece igual a reviver, de olhos abertos, de um lado, uma história que pouco conhecemos, e de outro, o avesso de uma realidade que somente a visão épica do rapsodo consegue transpor para a escrita. E aqui homens, serras, bichos, caminhos e tragédias, como que voltam filtrados por uma luz que se reflete na paisagem dos evos. Lendo-a, algo se restabelece dentro de nós: talvez a certeza de que tenhamos sido este passado; e o crédito de novas esperanças alteia-se nos arcos dos sonhos que ainda podemos viver e tocar para outros futuros. Como as jangadas, entre outros versos de SL:


                                   “Pertences de herdados mares?
                                   ou eu é que lhes pertenço?”

                                   .................................................

                                   “por sofridas tentativas
                                   de erguer a Cruz a caminho
                                   rumo à sonhada conquista
                                                do inóspito território”

                                   .................................................

                                   “a voz ceará prosseguindo,
                                                   cantando dos povoadores
                                   arribados de mar brabo,
                                               por terras híspidas vindos:
                                   – conquistemos estas bandas
                                               ocupadas pelos índios!” 

            O poeta aceita, neste particular, a ótica dos velhos colonizadores – e passa a olhar os índios, não mais como donos da terra, mas como simples ocupantes do espaço a ser conquistado. 

            Não é, contudo, a Clío que Stella Leonardos rende a homenagem de seus afiadíssimos acordes poéticos; é à doce Polímnia, essa musa da retórica, cujo discurso persuade enquanto transfigura. É assim que a vislumbramos, nós, seus leitores, no decurso de uma leitura sem pressas desnecessárias, senão apenas faminta de prosseguir ao longo de um texto elaborado sem o rigor dos formalistas ou parnasianos, mas aberto como o sol de uma túnica diante do altar de Apolo. 

            Rendilhado febril, diríamos até certo ponto obediente aos paralelos da linearidade artesanal e aos desenhos de um mapa interior que se vai revelando, em carne, terra e osso, mediante pesquisa, confronto e vivência da própria autora, este poema é único, no todo e em parte. Composto com a matéria viva da memória e do louvor a que e a quem merece ser louvado, é o Ceará, afinal, de Ana Triste e o Ceará dos jovens “padeiros” de hoje, que esplende e se eterniza em cada lance do bilro, no traçado da rota e no pouso, avelíssimo, das imagens fecundas.

terça-feira, 3 de julho de 2012

QUANDO AS NOITES VOAVAM





A LANÇA RITUAL



A invenção do Curare e
da Zarabatana

Para matar sem Pinlun,
ngoamãn (4) inventou o curare e a zarabatana.

Pegando, então, da zarabatana,
ele soprou-lhe uma seta bem no pescoço.

sentindo-se envenenado, sem Pinlun (5) deslocou-se
num pulo, em direção do leste.

o lugar onde caiu
ainda hoje pode ser reconhecido
pela forma de uma pedra que ali troveja. 



4 ngoamãn: o Criador.
5 sem Pinlun: trovão sobrenatural.