segunda-feira, 26 de novembro de 2012

POEMA DE TUFIC

POEMAS - Jorge Tufic

O poeta acreano Jorge Tufic acaba de ganhar o prêmio Raul Bopp da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, pelo livro "Quando as noites voavam", melhor de 2011. A premiação se deu dia 26/10 no auditório da Academia Brasileira de Letras. Tufic pertece às Academias de Letras do Acre, do Amazonas e de Letras e Artes do Nordeste.

 
I
Amo arrumar palavras. Porque sei
que há traças percorrendo
em rios os papéis.
Coisa difícil é dar. Difícil
como saber se damos quando damos
ou tiramos quando tiramos.
Mas as traças são cegas.
Cega a vontade de morrer
mais cega a de escrever.
Palavras são sangue, mesmo
as que gravadas sem propósito.
E ninguém mais do que as traças
sabe disso.
II
Ouvi um chamado distante,
sem voz. Em seguida a surpresa
de assistir à queda de um ovo
pintado com as cores do arco-íris.
─ Algum anjo brincalhão
Querendo tirar barrigada.
Depois outro ovo e mais outro,
tantos, de tantas cores,
que ao chegar em meu quarto
estava transfigurado. Decerto
não atendi ao chamado da poesia...
III
O poeta vai pela rua.
Ninguém está vendo o poeta
porque o poeta é transparente.
O poeta atravessa a ponte
o poeta desfolha a rosa
o poeta contempla o mar.
Ninguém está vendo o poeta.
Mas duvido que ninguém sinta
a sua presença abstrata.

domingo, 25 de novembro de 2012

AGENDA 1965,


15/16/nov.

¨Subversão¨- escreve Ênio Silveira - ¨a palavra mágica para justificar todos os crimes e violências, mas que ninguém se dá ao cuidado de explicar claramente o que significa no contexto político de hoje¨ (¨Epístola ao Marechal¨).

17/nov.

Antes de mim totalmente, acordei com meus ouvidos cheios de sanhaçus. Estavam todos em nossa varanda, na rua Izabel. Folheio a Bíblia Sagrada, penso em Salomão. Penso nele e medito nos pássaros de seu tempo, que não devem ter sido outros, senão talvez na maneira afável como deviam ser olhados pelos homens daqueles princípios. Continuo a ouvi-los ao descer a estreita escadinha do frágil terraço, o trinar limitado às variações harmoniosas que vão do amanhecer ao crepúsculo. E nada mais do que isso.

20/21/nov.

São cada vez mais fluentes e acreditáveis os boletins do DASP.
* Como Chefe de Turma, minhas vantagens pecuniárias não chegam sequer para saldar o débito do BCP. E o que dizer das prestações da geladeira da firma Benchimol & Irmãos?
* Vai longe a leitura que faço de ¨A origem da família, da propriedade privada e do estado¨. É um livro que não deverá faltar em minha estante quando o térreo ficar pronto.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

AGENDA 1965


23/24/out.

Lendo os traços de minha mão direita, diz-me o Elson que eu não tenho sorte. Foi ontem, sábado, no ¨Uirapuru¨ e estava conosco o poeta Max Martins, de Belém do Pará. Fiquei pensativo, mas de nenhum modo impressionado. A prova do que ele me disse eu já tenho em meu karma, sou feito de pedra e luar, anteu e proteu de um circo imaginário, a vida. O que ele me passou, afinal, é o que tenho vivenciado nos desafios que o destino me põe, ficando a sorte, quanto a mim, mais agregada ao esforço pessoal do que ao estrito merecimento. Ainda assim, não sei. Ele é que sabe.

27/out.

Amanhã é o Dia do Funcionário Público. E bem a propósito o Presidente da República promulga o Ato Institucional número 02, na vigência do qual não podem interferir os poderes legislativo e judiciário. Sabe-se agora, ainda mais claramente, como e de que forma se deu a viragem política inspirada nos fantasmas da subversão e da corrupção. Um golpe de mestres.

N. do A.: Dez dias do calendário, ou mais, são tomados aqui por reminiscências da infância em Sena Madureira e dos três primeiros anos de Manaus; um relato, embora sucinto, dos sofrimentos com falta de teto, recursos médicos etc.. Elevam-se no mesmo as personalidades de Adriano Jorge e João Veiga, ambos amigos de nossa família.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

DUETO PARA SOPRO E CORDA

SONETO DA PARTILHA

Sonhei por um caminho, igual à trilha
que leva de um regato a outro regato;
e assim, me alçando vôo, no mesmo ato
revi meus pais, que triste maravilha!

Ambos em teto pobre: mesa e bilha
do tempo de meus acres só de mato,
mas de rifles também, para que exato
fosse o revide em caso de partilha.

De um sonho fui a outro e deste ao sonho
de que estava acordado; e vi-me fora
quando o circo tornara-se enfadonho.

Ainda vago, porém. A cada hora
de uma parte de mim logo disponho,
enquanto a que desperta, vai-se embora.


sábado, 10 de novembro de 2012

QUANDO AS NOITES VOAVAM,



A Cotiara aconselha que na hora de dormir
é que se tem de ficar acordado.

A Cutia estraga a roça
porque sempre se julga convidada.

Por gostar muito de criança,
a Preguiça é avó da gente.

o Tamanduá, leitor assíduo do chão,
adivinha chuva e tempo bom.
os bichos ouvem as frutas
antes de comê-las.
Quando se calam, é porque estão maduras
ou deixaram escoar o veneno.


o dono do sono demora a chegar.
Primeiro ele manda os filhos,
e a gente boceja.
A Puçanga da Jiboia
é do tamanho de sua barriga.


terça-feira, 6 de novembro de 2012

AGENDA 1965,


02/out.

Passamos o domingo no Parque 10 de Novembro. Nadei, corri, procurando graduar um sorriso mais jovem entre centenas de pessoas que ali se amenizavam da inclemência do verão amazônico. Elogiável a iniciativa do Prefeito Vinicius ao devolver um parque com a fisionomia de vinte anos atrás, agora ampliado e dotado de um pequeno zoológico. No placard político, as eleições acusam uma derrota da ditadura.

04/out.

Banco Comercial do Pará: reforma de título. A situação do país é caótica. Os golpistas fardados condenam ao ostracismo seus colegas civis que tomaram parte nos acontecimentos do primeiro de abril de 1964. Assim, Magalhães Pinto, Carlos Lacerda e Ademar de Barros seguem o caminho de volta, enquanto Juracy aguarda uma chance para entrar candidato. E o Jucelino no Brasil? Que vão fazer dele, de seu prestígio político?- Uma boa matinê com Eliana.- No bairro de Santo Antonio a papeira toma conta da família de meu irmão. Faço a vez de balconista, ajudando nas vendas da mercearia. Uma observação ao pé da página, quase ilegível: Por quê rabisco estas linhas? Refletirão elas, por acaso, todos os covis de meu dia-a-dia? Quantos fatos relevantes deixados ir, transfeitos em névoa!

16/17/out.

Estiveram em casa e aqui passaram o dia Hanneman Bacelar e Pe. Nonato Pinheiro. Hanneman é o grande pintor. Discretamente, ele esboça um retrato meu, a óleo.

19/out.

Um dia sem perspectivas. Até cerca das 15:hs estive às voltas com o caso dos ¨Lopes¨ da Polícia Civil. Quanta perversidade! Em Santo Antonio repassei a meu irmão a quantia mensal de 30.000, para ajudar nas despesas.

21/out.

De volta o ciganismo de D. Faride. E o sacrifício do velho se deslocando de Herodes a Pilatos. Que vem a ser esse distúrbio mental que muito raramente se instala em alguém de nossa família? A bem dizer, de grave mesmo, só conheço este. Os demais são vagos e jamais causaram transtornos. Termino a leitura de ¨A peste¨, de Camus. O bacilo que ¨não morre nem desaparece¨- ¨e chega o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acorda os ratos e os manda morrer numa cidade feliz.¨