sábado, 29 de junho de 2013

ODE À AMÉRICA DO SUL 2


ODE À AMÉRICA DO SUL

II
Com a espada de Bolívar
e a prosa rubra e latejante de Sarmiento;
com as vestes de Antonio Conselheiro
e a nervura semântica de Euclides da Cunha;
com a suavidade de um verso de Lugones
e os contos gauchescos de Simões Lopes Neto;
com os arcos e flechas dos incas e aimarás
e a clepsidra das ruínas de Zaculén;
com as cinzas do uirapuru do Amazonas
e os depurados muirakitãs do Espelho da Lua,
eu te louvo, América do Sul,
agora que revejo tua cerâmica do Marajó,
tuas matas e teus rios,
tuas cidades e tuas pontes,
teus barcos possantes, tuas fábricas
e tuas manchetes; e ouço a voz
dos teus regatos, as canções de teus povos
e vejo, deslumbrado,
que uma ciranda feita de arrulhos e girassóis
te enlaça, constantemente,
do Atlântico semeado de praias
ao Pacífico de pássaros
e fontes azuladas.


quinta-feira, 27 de junho de 2013

ODE À AMÉRICA DO SUL 1


ODE À AMÉRICA DO SUL

Que o boné de Pablo Neruda
e a lágrima fluvial de Santos Chocano,
e o grito de Allende
(enquanto os fuzis do terror e do medo
repetiam o massacre da liberdade),
venham flocar este chão consagrado
por tantos modos e cantos diferentes,
oh América do Sul.
Os cravos de tuas noites mergulham
na plumagem das Cordilheiras,
e os ramos da paz que te ilumina
e o relincho das pedras que desenham
bisontes e tempestades,
pousam como fósseis alados
em tuas crinas de esmeralda.
De Santa Marta à Terra do Fogo
tuas espigas rebentam colares de jade
e cintilam nas máscaras de ouro
roubadas aos templos do sol
e às pirâmides da lua.
E ao sopro nativo da flauta
exilada entre colméias,
um tesouro de vasos, borboletas
e animais de uma fauna imaginária,
sacode o pó da argila e do granito
em suaves movimentos.
Atlantes e Laoccontes
vigiam tuas muralhas indormidas,
mas deixam livres as fronteiras do sonho.





quarta-feira, 26 de junho de 2013

FOTO ANTIGA

Posse de Evandro Carreira (à dir.), Luiz
Bacellar (de chapéu) e Nestor Nascimento.
Ao centro, Jorge Tufic e, no alto, de barbas,
Anísio Mello (DO BLOG DO CORONEL)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

POLIEDRO



POLIEDRO
Meu novo dia:
apenas um jorro de flautas,
cristal distraído.

Centenas de faces
para minha escolha
e  o
meu desespero.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

DRUMMOND, 1937



DRUMMOND, 1937
Setenta anos, quase,
densificam a textura do momento
em que se dera a impressão
da histórica fotografia.

Eu tinha cinco, apenas,
quando Carlos Drummond de Andrade
já entrava em concurso de poesia.

E aqui está ele, Drummond,
de ponta esquerda no time da história:
os demais elementos da foto
já tinham seus nichos sagrados.

Drummond devia beirar os trinta
enquanto eu jogava pelada na esquina
de uma rua deserta.



sexta-feira, 14 de junho de 2013

SONETILHO EM DÓ


   
SONETILHO EM DÓ

Desde que vi minha face
que já pouco me contempla;
desde que sorvi a gota
do rio que se fez lágrima;

desde que o mundo olvidara
sua primeira maçã;
desde que os punhos do homem
se ampliaram para a guerra;

desde que minhas sandálias
em pó fizeram caminhos
sem que ao menos fosse dia;

desde que plantei cigarras
em vez de frutas e couves,
degusto ausências plenárias.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

SONETO ÀS BORBOLETAS


SONETO ÀS BORBOLETAS

Sempre dou baixa aos dias na folhinha.
Porém, quanto mais risco, mais florescem,
quer nos blocos seguintes, quer na minha
janela aberta aos outros que amanhecem.

Não sei das vezes que a esse gesto eu vinha
dando o meu tempo que as aranhas tecem;
tantos dias iguais, seja à tardinha,
seja às estrelas quando resplandecem.

Montões de calendários tomam conta
de algumas prateleiras que derramam
velhos papéis inúteis, dessa monta.

Números, datas, portas e janelas,
foram, decerto, árvores que inflamam
para os céus borboletas amarelas.


terça-feira, 11 de junho de 2013

O VINHO DO MÍSTICO


O VINHO DO MÍSTICO
  Ao Yogue Paramahansa Yogananda
Testemunhas de mim são as garrafas.
Louvo, ao secá-las, ao meu bom Khayyam.
Ao néctar místico lançam-se tarrafas,
e a pesca é boa quando a vida é sã.

Embriago-me de Deus toda manhã,
verticalizo a dor como as girafas.
Alcanço a plenitude. Adoro Pã,
danço longe do tédio e das estafas.

Meu turbante rebrilha. Posto em lótus,
ultrapasso o Nirvana e tiro fotos
da solidão mais cósmica do além.

Bebo com Deus a chuva que ele ama.
É sempre bom beber. O vinho é chama
que se transmuda como lhe convém.




sexta-feira, 7 de junho de 2013

SONETO AOS IDOS



SONETO AOS IDOS

Um rascunho de nuvens me sugere
campos lavrados por um cinza antigo;
e algo de mim nas franjas desse trigo
aos amenos de um bosque me transfere.

Nada em tanto vazio assusta ou fere,
oblíquas horas rangem nesse abrigo
onde o tempo é cifrado e a voz do amigo
clama sem a voz do outro, ainda que espere.

Dali fui para o monte e vi cavalos,
a força do trabalho que, a intervalos,
dava às covas ossadas ambulantes.

Destroçou-me esse impacto, esse contraste
entre pobres e ricos; não me baste
que este mundo não seja o que era antes.