quarta-feira, 30 de julho de 2014

POEMAS EM GUARDANAPOS DE PAPEL


POEMAS EM GUARDANAPOS DE PAPEL

(Beija-flor)
Um milhão de anos foi preciso,
beija-flor,
para que Deus te criasse.
E como te matam fácil
fácil.




(A jaula)
Tudo parece mudo,
indiferente, kafkeano.
Só eu e minha sombra
agora mesmo intraduzível.
O mais passando
passando.
Roídas se quedam pedras,
janelas, calçadas
e a ponta do
meu láp
is.



(Ciclo I)

Ó nuvem
quantas mijadas pesam

nas tuas levezas.
E quant’água me pesa
no corpo
sem nuvem.



sábado, 26 de julho de 2014

AURA AMARA


AURA AMARA

Amaste o som
do amor
que ali estava
nas letras da canção
e na gorja
dos passarinhos.
Arnaut Daniel.
Ezra Pound te seguira
de Provença
a provença;
e ali estavas
ainda,
nas palavras
e na canção.
Aura amara.
Até hoje
os teus pássaros cantam
na parte
dos violinos.


segunda-feira, 21 de julho de 2014

DESLAVRA




DESLAVRA


Passei anos e anos a olhar
para as coisas que se destroem.
Muros de pedra,
casas antigas,
alpendres estrangulados
pelo cerco do musgo e das lianas.
Mas nunca pensei que tudo isso
também fosse passando,
devagarinho,
para os donos do lugar.
Nem que o lugar
se tomasse de ruínas;
nem que as ruínas pudessem ser vistas
como um ricto necessário
da paisagem senil: nódoas apenas
do trauma silvestre.
Este som que nos guarda.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

O SUBSOLO


O SUBSOLO

Legiões de minúsculos roedores
descobrem meus poemas.
Cevam-se deles.
Uma colônia de tropos
um arsenal de elegias
um supermercado de hai-kais,
dividem agora os cupins
em várias e desconexas
correntes de solidão.
Nenhum manuscrito foi poupado.
Nos restantes da broca
o desenho da fome,
as marcas do escuro,
a doce fúria branca.
Tinta, mofo, papel, palavras
espaço mecânico,
abismos pensados,
metáforas roucas,
danaram-se então para longe,
sob o terror organizado
que liberta os signos cativos.


domingo, 13 de julho de 2014

LITOVERGEL RETIRO


LITOVERGEL RETIRO

(para Maria Guilhermina, escultora)

As árvores de mogno,
a paineira
e a flor do mucunã,
testemunham que a pedra
está grávida, e sonha.
Uma família inteira de pedras
conversa neste bosque.
Algumas jazem, porém,
nem sempre factíveis ao tato
nem ao som que revela
os ângulos internos da ?gura,
a visão de conjunto.
Mas tudo nos contempla
do olhar que nos falta.


quarta-feira, 9 de julho de 2014

FINADOS



FINADOS



Um sossego molhado
engessa a fratura dos mortos.
Nuvens desgarradas
maceram grinaldas.
E um riacho sepulto leva
de foz a foz
o arrulho das centopéias.


sábado, 5 de julho de 2014

RAÍZES FENÍCIAS DO CORAÇÃO BRASILEIRO

RAÍZES FENÍCIAS DO CORAÇÃO BRASILEIRO

Jorge Tufic*


Descubro numa pasta dos anos 60, um tanto amarelada e rota, as seguintes anotações feitas por mim com o auxílio de fidelíssima maquineta, há muito aposentada pelos computadores: ¨meu bisavô chamava-se Jorge Alauz e mantinha uma casa de Câmbio em Beiruth, capital do Líbano. Sua esposa chamava-se Nahha. Jorge Alauz sofrera um assalto organizado contra seu estabelecimento comercial, ficando reduzido à falência. Após este incidente mudara-se para a cidadezinha litorânea de Batroun. Tinha quatro irmãos: Calil, que exercera até o final de seus dias o cargo de Administrador (espécie de Morgado) de um dos mais importantes distritos de Beiruth; Salim, médico ilustre que, segundo José Daher Bitar, esteve em Manaus e assistira o então Governador do Amazonas Jonathas Pedrosa ao cabo de séria enfermidade, logrando êxito e fama; Amin, que morrera no cargo de Delegado de Polícia em Beiruth, em conseqüência de um edema pulmonar resultante de agressão física; e Nahumm, homem simples e trabalhador. Salim tivera um filho de nome Farid, que fora médico do Rei Fayçal e família.¨
Jorge e Sofia, nossos avós, tiveram três filhos e três filhas nascidos em Batroun.
. Al-Batroun, quarto município do Líbano, segundo estatística de 1945, abrange (ou abrangia naquela data), setenta e cinco localidades. Numa dessas nasceram nossos pais e os pais de nossos pais. Região litorânea, mas como todo o Líbano pertencente à Nova Fenícia.
Dali emigraram os três irmãos da família Jorge (ou Alaúz, já no Brasil Alauzo ou Alaúzo, por força das mutações burocráticas), ou seja, pela ordem do mais velho ao mais novo: José, Estevam e Taufik (depois também modificado para Tufi ou Tufic, tudo por conta de um vezo que até hoje persiste nos Detrans da vida: aqui, por exemplo, eu sou Tufia na carteira de motorista e nada, nem mesmo dezenas de pedidos, conseguem a justa reparação).
José chega ao Brasil em 1900, Estevam em 1904, Tufic em 1908. Da Guerra pela emancipação do Acre aos bombardeios de Hermes da Fonseca, em 1912, os três participaram na defesa do Acre e de Sena Madureira. E com muita honra. Glória essa no entanto obscura, posto que nada sabiam da língua portuguesa, apesar da prática de guerrilha contra os turcos e dos freqüentes combates de rua entre católicos e xiitas.
Ajudou-me nesta pesquisa o meu irmão José Tufi, cuja novela desse antepassado ele divide em blocos, valendo-se apenas da memória ao correr da esferográfica, sem a menor pretensão literária. Além do essencial referente ao desenho de nossa árvore genealógica, vimos assim que, como no Brasil, existe no Líbano a liberdade de culto, predominando as seguintes religiões: Maronita (católicos apostólicos romanos do Oriente); Melkita (católicos apostólicos romanos melkitas); Ortodoxa (cristãos da ortodoxia Oriental); Sunitas e Xiitas (seitas maometanas); Drusos (uma espécie de Ordem Mística muçulmana); que os fenícios de Cartago e outras colônias costumavam deixar inscrições alusivas à sua passagem nos vários continentes, 500 anos antes de Jesus Cristo; várias destas foram encontradas na Paraíba (Brasil), sendo até hoje objeto de estudo nos países mais adiantados do mundo; que a palavra ¨fenícia¨ deriva etimologicamente do grego: pardo, vermelho, tâmara, fogo, destruição, renascimento; que até 1850 a língua falada no Líbano ou Nova Fenícia ainda não era o árabe, e sim o aramaico.
Na planície costeira desse país situa-se Batroun ou Al-Batroun, cidade dos nossos antepassados, terra de nossos pais (este pronome ¨nosso¨, também adjetivo, há de surgir, aqui, talvez na contracena da primeira pessoa com a pessoa do irmão, sempre ao meu lado). A longa viagem começa.
Segundo ele, são os nossos avós paternos Jorge José Alauzo e Sofia Alauzo, genitores de José Jorge Alauzo, Estevam Jorge Alauzo, Tufic Jorge Alauzo (nosso pai), Vitória Alauzo, Marie Alauzo e Hessin Alauzo, entre tios e tias. Avós maternos: Hibrahim Abukora (o homem da touca, em árabe) e Ketbi Awaygen Abukora, genitores de Ashad Awaygen Abukora, Lulu Awaygen Abukora, Faride Awaygen Abukora (nossa mãe) e Futin Awaygen Abukora.
Jorge José Alauzo, de uma tradicional família que lidava com o ramo de tabaco, herda o comércio de seus pais e a essa atividade se dedica até o final de sua existência.
Sofia Alauzo ajuda o marido na indústria de cigarros, charutos, fumo para cachimbo e tâmbak (tabaco para o arquile ou arguilé). Era ajudada nessa tarefa por uma irmã cujo nome se perdera ou apenas não chegara ao nosso conhecimento.
José Jorge Alauzo fora o mais velho dos homens. Profissionalizou-se em tabacaria, marcenaria etc. Filósofo por vocação, participou de algumas sociedades como Conselheiro, mas não conseguiu ficar no Líbano invadido pelo exército turco, viajando para o Brasil em 1900.
Estevam Jorge Alauzo, o segundo filho dos homens, trabalhou e estudou com os turcos durante a juventude, aprendendo seu idioma. Foi torneiro mecânico e administrador comercial. Seguindo o irmão mais velho, emigrou para o Brasil em 1903. Teve existência atribulada, posto que, em 1914, volve à terra natal onde conhece, em Beiruth, sua futura esposa que lhe dá um casal de filhos. Impedido de voltar ao Brasil durante a I Guerra Mundial, fica no Líbano até o ano de 1919, quando retorna sozinho tendo por objetivo trabalhar e, assim, poder trazer a família para a sonhada América (América na época era tudo, desde os EE.UU às últimas barrancas do Acre).
O drama de Estevam se resume numa longa novela inspirada pelo destino. Pois não houve dinheiro que lhe trouxesse a mulher e os filhos para o seu convívio. Ela acabou ficando com os numerários destinados às despesas de viagem, e, finalmente, com as casas do Líbano.
Tufic Jorge Alauzo, o mais novo dos irmãos seguiu esse mesmo caminho, vindo juntar-se a eles no ano de 1908.
Vitória Alauzo foi professora e diretora de importante colégio em Batroun ou Beiruth, aqui fica a dúvida. Morreu solteira, com oitenta anos de idade, jamais trocando sua praia pela praia de ninguém.
Marie Alauzo também foi professora, esta de idiomas, e também morreu solteira sem nunca ter deixado o seu Líbano querido.
Hessin Alauzo era estilista e formada em Administração. Foi a mulher mais bonita de seu tempo. Ela esteve no Brasil em 1919, ficando durante um ano em Sena Madureira, junto aos irmãos José, Estevam e Tufic. Como filha primogênita e na ausência de homem para substituí-la, cabia-lhe a função de orientar a família; daí que, apesar de um noivado no Acre, seu irmão maior, nosso tio José, consegue desmanchar o compromisso matrimonial e fazê-la tomar o caminho de volta.
As três irmãs viveram e morreram solteiras.
Nosso avô materno Hibrahim Abukora era pescador e escafandrista, profissões legadas pelo seu pai e tios. Em 1904 ele esteve no Rio de Janeiro, onde nasceu nossa tia Lulu. Mas ali não se demora, logo regressa ao Líbano. Cercado pelo carinho dos seus, falece de gripe espanhola, uma das pragas da Guerra de 14.
Agora viúva, nossa avó Ketbi reúne seus filhos e vem para o Brasil em 1919. Estão com ela Ashad, já casado e pai de dois filhos e as três irmãs Lulu, Faride e Futin. Cada um deles com as suas lembranças da infância, do salso argento mediterrâneo, das moedas de ouro que os ingleses lançavam naquelas águas verdes e transparentes, logo resgatadas pelos nadadores mirins. A casa de dois andares em que moravam em Batroun, voltada para o mar, também veio com eles como a doce arquitetura de uma saudade comum.
Como já disse, Lulu era carioca de nascença, mas foi levada de volta para o Líbano ainda nos cueiros. Estudou em bons colégios, tentou escrever alguns pequenos romances em árabe, essa mesma língua do nosso primo Gibran Khalil Gibran, reduzindo-se com a idade a uma excelente devoradora de livros, enquanto aplicava o melhor de si na feitura de quibes, alfenins, recheios, caftas, pastéis, massas folhadas etc.
Faride tinha quinze anos quando chegara ao Brasil. Aqui, sob o comando da super-mãe Ketbi, tomara gosto pela culinária, prendas domésticas, medicina caseira. Não me canso de elevar os olhos para um retrato das três irmães, numa postura de época.
Futin, a mais nova, adentrava os onze anos de idade quando chegaram a Manaus. Na capital do Estado do Amazonas, ainda com doze anos completos viria a ser apresentada ao seu futuro marido Nicolau Akel, alfaiate bem sucedido, proprietário da Alfaiataria Poli, cartão postal no cenário urbano daquela cidade.
Ashad, o primogênito do casal Abukora e Ketbi, era um exímio escafandrista. Sonhava ter navios, mergulhar nos pélagos menos freqüentados do mundo, emergir de lá com a alegria dos caçadores de pérolas, trazendo-as no olhar, embora de mãos vazias. Diz-me o Zé meu irmão que este assunto é de um outro bloco.
 
* * *
 
Antes de irmos encontrar os três irmãos que agora, juntos no Acre, acompanham o desenvolvimento do novo território, convém fazer um esclarecimento sobre as duas casas em apreço: Casa da Família Jorge (Beth Jarjura) e Casa da Família Hibrahim ou Awayjan (Beth Brahim), as quais aparecem também como Alauzo (originariamente Alauz) e Abucora (o homem da touca). Trata-se, na verdade, segundo o costume, de simples alcunha, sendo que Alauz (ou seja, furta-cor ou manto de vários matizes) este nasceu por obra do acaso: diz-se que o veterano Jorge, nosso bisavô, se atrasara na visita que fazia, de tempos em tempos, a uma localidade chamada ¨Aldeia dos Rapazes¨, industrial por excelência, para a entrega de encomendas de tabaco, entre outros produtos. Os habitantes da cidade ficaram de vigília, dias após dias, quando, de repente, a carruagem do homem que usava um manto de três cores aponta numa curva da montanha. De longe, ao ser identificado o garboso cocheiro já não teve mais como evitar o epíteto, de resto irônico, festivo e oportuno.
Pois agora ali estão, os descendentes. E em Sena Madureira, município fundado em 1904, três anos depois da chegada de José Jorge, o mais idoso dos irmãos, às conflagradas terras da guerra com a Bolívia. Em pleno domínio dos coronéis de barranco, na qualidade de construtor civil e regatão, enfrentara ele projetos grandiosos como levantar escolas, prefeituras, lojas, residências, barracões etc. Na opinião dos contemporâneos, José Jorge, como sempre fora chamado, tirou do nada a bela princesinha do Iaco. Esgotada essa fase, ele prepara um armazém de seis portas comerciais (negócio de tecidos e armarinho), dando ao mesmo o título de ¨Casa Três Irmãos¨, sociedade que iria perdurar até 1932.
Estevam, convalescendo do trauma causado pela mulher, a quem havia transferido o grosso de suas economias, parece melhorar de saúde.
Tufic Jorge, fortemente submetido ao comando do irmão José, vai a Manaus em busca de uma jovem libanesa para se casar. Encontra a respeitável família Abukora, de sua terrinha, reconhece a Faride, aquela do meio, com apenas dezessete anos de idade, e neste exato dia 26 de abril ambos recebem as alianças da consagração nupcial. Tufic deixava a vida de solteiro aos 34 anos de idade. Sete anos depois, em 1930, nasce o novo Jorge da nova geração; 1932 é a vez do José. Há qualquer coisa de misterioso na repetição destes sobrenome e codinome.
 
* * *
 
Em 1924, Ashad ganha o maior prêmio da loteria federal. Todos moravam numa casa da rua Quintino Bocaiúva, em Manaus, no simpático quarteirão que fica entre a avenida Joaquim Nabuco e a Dr. Almino. As mulheres costuravam e faziam iguarias para vender. Nossa mãe, durante esse período de 1919 a 1923 talvez achasse que a unificação de sua família fosse durar para sempre, mas o evento da sorte grande lhe deixaria uma espécie de vazio jamais preenchido, mormente Ashad, prevendo retornar ao Líbano com D. Ketbi, lhes tenha presenteado com jóias e dinheiro. Antes da partida, no entanto, esta se empenha no casamento das filhas: Lulu casa-se com Simão, Futin com Nicolau, Faride com Tufic Jorge Alaúzo. Simão também era sortudo: chegou a ser premiado com 50 contos pela loteria, fez jus a dois automóveis assinando uma rifa. Entretanto, dado à boêmia e à vida noturna, acabou perdendo até o que não tinha, separou-se da esposa (Lulu, para sobreviver, teve que abrir uma quitanda na rua dos Andradas, esquina da Pedro Botelho).
Nesse entremeio, um verdadeiro romance perfuma as cartas que vinham sendo trocadas por Lulu e tio José, lá pelos idos de 1937 a 39, oportunidade que ela aproveita para visitar Sena Madureira. Ali se casam e passam a viver na rua Purus, a 200 metros de nossa casa, na rua Amazonas. No meu livro de memórias I, ¨A Casa do Tempo¨, esse imóvel ¨aparece¨ anexo à oficina do mestre, onde sempre o via debruçado em sua escrivaninha de mogno, a escrever e reescrever os seus textos em árabe, português, francês, espanhol.
Notícias de Ashad dão conta do tremendo desastre em que redunda a compra de um navio costeiro, aparentemente novo ou reformado, como um revés da sorte. Outras cartas recebidas em Manaus pela família Akel, informam que mãe e filho estão agora em Nova Iorque ou Los Angeles. Ele continua na profissão de escafandrista, gosta do mar, azula e verdeja com as algas, confirma os desafios de Hércules, a validade do sentir humano contra todas as fronteiras.
Tia Futin casou-se com a idade de 12 anos, em 1920. Dessa união com o mestre-alfaiate Nicolau Miguel Akel foram gerados nove filhos: Akel, Catarina, Carmem, Constantino, Marieta, Jorge, Janete, João e Helena. Lulu e Futin navegam para as suas origens cósmicas entre a década 70 e 80 do século XX.
Em janeiro de 1950, casado de novo desde algum tempo, Estevam chega a Manaus enfermo, com enfisema pulmonar. Tem casa própria à rua Lauro Cavalcante, comércio no Mercado Central. Em 1953, já de mudança definitiva para Manaus, tio José vai residir com tia Lulu à rua Miranda Leão, sob cujo teto se entrega a Deus em abril de 1957. Estevam lhe segue o caminho em 1959.
Tufic Jorge Alauz, nosso pai, transpõe os umbrais da eternidade em Manaus, à rua J. G. Araújo, no bairro de Santo Antonio, a 20 de dezembro de 1966. Foi sepultado no cemitério de São João Batista sob o número 67474, quarteirão 17, jazigo perpétuo da família Alauzo, por decreto municipal. (Os blocos manuscritos do Zé começam a ceder para o colóquio e à conferência de alguns fatos que estão mais para hoje do que para o ontem. Ele evita as amargas, como o grande Álvaro Moreira. Peço-lhe então que me dê licença, soa a hora absurda em que devo me referir ao trespasse de nossa mãe Faride, ocorrido no dia 20 de maio de 1988, também em Manaus).
É claro que me faltem palavras. Pois, de certo modo, dona Faride pertencia ao Clube da Madrugada, recebendo em nossa casa e em nossa cozinha modesta os nobres Cavaleiros de todas as Madrugadas do Universo, daí ter feito jus aos mais sinceros elogios, quer em prosa, quer em verso, ou ainda como um clássico modelo para os desenhos do artista plástico José Maciel, surpreendida com a mão na massa. Sobre ela escreveram também o nosso querido amigo Tadeu de Souza e o Dr. Akel Nicolau Akel, seu sobrinho médico.
Um trecho de meu Diário sobre o passamento de Faride, ainda sob o calor e a emoção dessa primeira hora: ¨Nos últimos dias de outubro de 1987, minha mãe foi vítima de uma queda, com fratura da parte superior do fêmur direito. Algumas semanas depois, estes fragmentos de uma dor enorme e secreta, começariam a preencher as breves lacunas deixadas pelo receituário dos médicos e para-médicos.
Em todos os ermos, em todas as dores silenciosas, extinguindo-se à míngua de recursos nos confinamentos hospitalares, busquei, então, um pouco de mim para fiar esse fio de espera e desesperança. E que, afinal, partiu-se com Ela.¨ É melhor não prosseguir, deixando ao grande poeta Alencar e Silva a homenagem que nos traz de volta a Casa do Tempo (título de nosso primeiro livro de memórias):

sexta-feira, 4 de julho de 2014

POEMAS








 I


Amo arrumar palavras. Porque sei
que há traças percorrendo
em rios os papéis.

Coisa difícil é dar. Difícil
como saber se damos quando damos
ou tiramos quando tiramos.

Mas as traças são cegas.
Cega a vontade de morrer
mais cega a de escrever.

Palavras são sangue, mesmo
as que gravadas sem propósito.
E ninguém mais do que as traças
sabe disso.


II


Ouvi um chamado distante,
sem voz. Em seguida a surpresa
de assistir à queda de um ovo
pintado com as cores do arco-íris.

─ Algum anjo brincalhão
Querendo tirar barrigada.

Depois outro ovo e mais outro,
tantos, de tantas cores,
que ao chegar em meu quarto
estava transfigurado. Decerto
não atendi ao chamado da poesia...


III


O poeta vai pela rua.
Ninguém está vendo o poeta
porque o poeta é transparente.

O poeta atravessa a ponte
o poeta desfolha a rosa
o poeta contempla o mar.

Ninguém está vendo o poeta.
Mas duvido que ninguém sinta
a sua presença abstrata.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O PÂNTANO



O PÂNTANO


Por longas aves
mares e travessias,
derrama-se o pântano.
Trabalho de muitos.
Fazendo, escamando
oblívios.